A NARRATIVA DE CAVACO (SAFA!)
Fevereiro 04, 2015
J.J. Faria Santos
Imagem: Blogue Wehavekaosinthegarden
Os portugueses sabem que não faz parte do meu modo de interpretar a magistratura presidencial a emissão de declarações inflamadas na praça pública. A minha palavra é serena, firme e imparcial. Jamais me ocorreria, por exemplo, dizer, como fez um político na década de 80 do século passado, que a Bolsa de Lisboa estava a vender gato por lebre.
Bem certo é que, do Presidente, se exige um conhecimento rigoroso da dimensão e das razões da crise económica e financeira que atinge o país, e, em mais do que uma ocasião, com base na minha experiência e nos meus conhecimentos, a que se aliava o contacto com a realidade e com interlocutores na esfera económica, laboral e social, senti o imperativo patriótico de apontar os caminhos que, em meu entender, deveriam ser seguidos. Mas, atenção! O Presidente não tem nenhuma competência executiva! Compete-lhe apontar linhas de orientação estratégica ou deixar alertas e avisos.
Todos sabem que embora dando prevalência à informação que me chega do Governo, desde o início do meu mandato, tenho procurado manter-me informado através de contactos frequentes com agentes políticos, económicos e sociais. Seria incapaz, não duvidem (que eu também não), de reproduzir com rigor aquilo que me dizem em milhares de audiências, mais de 2500. E, mais importante ainda, quem fala com o Presidente tem de ter absoluta certeza de que o que lhe conta ele não vai dizer a mais ninguém.
Aduzidos estes argumentos, é fácil perceber que não tenho nenhuma declaração a fazer no âmbito da Comissão de Inquérito ao BES. E, a propósito, é mentira que eu me tenha pronunciado sobre o BES na Coreia do Sul. Fiz três afirmações sobre o Banco de Portugal. Que não reste a mínima dúvida que confio numa entidade independente e dotada de informação privilegiada como o Governador do Banco de Portugal. Nem quero acreditar sequer na inimaginável hipótese (a que só faço alusão a título meramente académico) de me ter sido ocultada informação. Seria uma falta de lealdade institucional que ficaria registada na história da nossa democracia, à semelhança da ocorrida com aquele político cujo Governo recorria frequentemente a uma linguagem de inusitada contundência no tratamento dos seus adversários, e que hoje concede audiências num estabelecimento prisional.
Não falarei das reuniões com o Dr. Ricardo Salgado. O Presidente da República nunca revela aquilo que se passa com ele. E se me permitem um desabafo pessoal, tão ao arrepio do que me é habitual, a minha experiência com bancos e banqueiros não tem sido agradável. A começar nas 105.378 acções da SLN que adquiri pelo valor nominal de 1 € e vendi por 2,40 € que deram origem a uma querela inútil (todos sabem que para serem mais honestos do que eu, têm que nascer duas vezes), e a terminar nas atribulações de um ex-conselheiro de Estado, que, todavia, me garantiu solenemente que não cometeu qualquer irregularidade no exercício das funções que desempenhou nas empresas do BPN.
Repito mais uma vez, para que não restem dúvidas, que o Presidente não tem nenhum poder executivo. Mas isto não significa que não tenha o poder da palavra. Nem que seja a palavra dos outros. Rejeito com veemência aqueles políticos, jornalistas e comentadores que vêem na minha ponderação e no meu perfil institucional um álibi para recusar o comprometimento com uma acção ou uma opinião.
Sei que a maior parte dos efeitos da magistratura presidencial não é susceptível de avaliação directa e imediata. Não me congratulo pelo facto de a História me ter dado razão, mais do que uma vez. Lamento é que a palavra do Presidente seja menosprezada ou distorcida. E que não se alcance a suprema sapiência dos seus silêncios.
(Este é um exercício de ficção. Em itálico, reproduzem-se declarações constantes de declarações, entrevistas, discursos e prefácios do visado.)