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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DE UMA CAPA

Abril 18, 2021

J.J. Faria Santos

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Não há nada como um testemunho “explosivo” retirado dos “ficheiros secretos” do BES. Daqueles que ameaçam detonar o regime ou, pelo menos, contribuem para a amálgama de conluio e putrefacção, que constitui, no fundo, aquela coisa de que o grupo Cofina gosta. Embalada pela actualidade do acto de mercadejar o cargo, eis que a Sábado titulou peremptoriamente, servindo-se das palavras de Pedro Queiroz Pereira, que “Salgado usou mulher de Marcelo para o comprar”.

 

Vai-se a ler a coisa (a “investigação”) e o arranque é feito ao estilo de crónica social. Os casais Ricardo/Maria João Salgado e Marcelo/Rita Amaral Cabral foram, durante anos, muito próximos, “passaram férias juntos, no Brasil, e “alugavam barcos na Turquia”. Depois, explica-se que Marcelo fez um ataque aos grupos económicos em 1998 que desagradou ao banqueiro e esfriou o relacionamento. Para “recuperar a relação”, Salgado decidiu “entregar trabalho de cobranças” ao escritório de Rita Amaral Cabral, o que, para Pedro Queiroz Pereira, “era uma forma de comprar o professor Marcelo Rebelo de Sousa”. De seguida, inventariam-se os cargos ocupados pela advogada no BES (primeiro na comissão de vencimentos e depois como administradora não executiva) e apontam-se incongruências e incompatibilidades. Pelo meio, faz-se referência a anotações de Salgado (cuja caligrafia foi “certificada” pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária) entre Fevereiro de 2010 e Julho de 2013, mencionando jantares com “Marcelo” (em Angola e no Brasil) ou “Marcelo-Rita”. Procuram-se indícios do que Marcelo teria “vendido” (influência? Informação privilegiada?) e sinais do comércio e o resultado é zero. Eis uma capa assertiva assente num feeling de Queiroz Pereira, citado na investigação a dizer em depoimento ao Ministério Público: “Isto foi exactamente como lhe estou a dizer, embora não o possa provar.” Faltava a prova, esse maçador imperativo que arruína qualquer brilhante conjectura.

 

“Os títulos jornalísticos não podem ser infiéis aos textos a que correspondem nem sugerir, pelas suas dimensões e localização nas páginas, uma ideia de importância desproporcionada em relação ao real valor das informações que transmitem”, escreveu Daniel Ricardo no seu Manual do Jornalista. Por maioria de razão, aplica-se esta recomendação aos títulos de capa. A revista lá apresenta, no seu frontispício, em letra mais pequena, a reacção do visado, afirmando ser “incomprável”.  Só que o jornalismo do século XXI, tal como entendido pelo grupo editorial que publica a Sábado, é um primeiro esboço da História impregnado pelo ímpeto da revolta e da denúncia, da intuição e do sentimento. E se sentimos, é porque deve ser verdade. A prova é uma excrescência.

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