A CORJA
Outubro 27, 2024
J.J. Faria Santos
Por ter obtido mais de um milhão de votos, a corja acha-se no direito de trazer para a casa da democracia os seus hábitos de má-criação e grosseria, trocando o debate de ideias pelos apartes acintosos, pelo insulto pessoal e pelo ruído desestabilizador. Achando-se legitimada pelo voto popular, a corja, que tem uma relação estreita com a falsidade e convicções flutuantes, reclama para si o direito de espalhar de forma impune a mentira e de contribuir para o discurso de ódio.
A corja, em quem ninguém verdadeiramente confia, deve o seu sucesso eleitoral a um voto de protesto mais do que a uma manifestação de esperança num ideário sem qualquer consistência. Que futuro pode legar um partido que se esgota num discurso securitário, que estigmatiza comunidades e imigrantes, que parece ignorar os procedimentos do Estado de direito e multiplica declarações onde se acotovelam a ignorância, a inverdade, a má-fé e a ilegalidade?
A corja só entende e propaga a linguagem do sectarismo. Que é a que melhor se aplica ao estilo inflamado do seu líder, que combina o discurso articulado e o raciocínio encadeado com as frases feitas, a demagogia e o descompromisso com o rigor e a veracidade. Tudo serve de pretexto para a indignação performativa, para o gesto enfático, para a voz projectada pela irascibilidade. Qualquer debate é um duelo sem regras. Elevar o tom de voz, interromper por sistema, matraquear “argumentos”, interpelar o oponente com acinte.
A corja, habituada à complacência da comunicação social e ao aturdimento da classe política e da sociedade em geral perante um comportamento tão manifestamente grotesco e vil, julgando-se imune e impune, esticou a elasticidade da tolerância democrática e ela partiu. Em causa estão afirmações, no contexto da morte de Odair Moniz, baleado por um agente da PSP, que podem configurar a apologia de um crime e um incentivo à desordem. “Obrigado era a palavra que devíamos estar a dar ao polícia que disparou sobre mais este bandido.”, disse André Ventura nas redes sociais. “Menos um criminoso…menos um eleitor do Bloco”, escreveu no X Ricardo Reis. “Se a polícia atirasse mais a matar, o país estava em ordem”, disparou Pedro Pinto em pleno estúdio da RTP3.
O líder da corja gosta de se fazer fotografar ajoelhado a rezar em igrejas, dando testemunho da sua fé. O patente farisaísmo só pode ser redimido pelo uso intensivo do cilício, dada o conflito insanável entre a doutrina social da Igreja e as proclamações da corja. Mas se a misericórdia de Deus é infinita, a paciência dos homens é limitada e a lei dos tribunais é dura, mas é lei. E não vale a pena brandir o trunfo da liberdade de expressão, dado que esta não é uma carta branca para violar a lei. E também não vale a pena apostar na vitimização. Porque para aquele que faz assentar as suas intervenções públicas na implacabilidade, que arregimenta seguidores com base numa linguagem agressiva e bruta, seria uma demonstração de fraqueza e um convite à autofagia.