A ASCENSÃO DA MENTIRA
Julho 01, 2015
J.J. Faria Santos
No fim-de-semana, num artigo no Expresso intitulado Porque mente Passos?, Pedro Adão e Silva escrevia que “o primeiro-ministro não hesita em mentir quando lhe é politicamente conveniente”, considerando que ele o faz no Governo como já o fizera na campanha eleitoral porque tal comportamento compensa. Uma semana antes, no Público, glosando o mesmo tema, Pacheco Pereira decretara: “Enquanto ninguém disser na cara do senhor primeiro-ministro ou do homem ‘irrevogável’ dos sete chapéus, ou das outras personagens menores, esta tão simples coisa:’o senhor está a mentir’, e aguentar-se à bronca, a oposição não vai a lado nenhum”. Na mesma linha, Adão e Silva regista a “estranha timidez” dos adversários políticos no contraditório ao primeiro-ministro, atribuindo-a “ao histórico de mentiras que a oposição carrega”, frisando que “uma mentira é uma mentira e não uma ‘falta à verdade’”.
Já numa sondagem recente, da responsabilidade da Universidade Católica, a palavra mais utilizada para descrever o primeiro-ministro fora “mentiroso”. Uma vez que no referido inquérito se registava um empate técnico com uma ligeira vantagem da coligação governativa, talvez seja lícito concluir, como Adão e Silva fez, que “a mentira como arma política não é muito penalizante”. Tal situação, por traduzir uma visão pouco abonatória da actividade política e lançar uma sombra negra sobre o processo de selecção dos seus protagonistas, não nos deve fazer vacilar no reforço do escrutínio das afirmações e das propostas dos líderes políticos.
Não competindo à comunicação social alinhar no jogo partidário, faz parte do seu métier a verificação dos factos. Foi o que fez, por exemplo, o Público em relação a duas afirmações mais ou menos recentes de Passos Coelho, defendendo que existiu mesmo um “conselho, sugestão” ou “incentivo” à emigração, e demonstrando que, ao contrário do que o primeiro-ministro dissera, desde que existe moeda única o défice abaixo dos 3% foi alcançado por quatro vezes, sendo que se abrangermos todo o período do Portugal democrático esse número sobe para sete vezes.
Eis um bom exemplo a seguir. Porque convém que a prova da veracidade das afirmações dos políticos e as “entrevistas confrontacionais” tenham como suporte um critério jornalístico inatacável para que não subsista a suspeita de que as convicções do jornalista ou as suas simpatias pessoais interferem com o seu trabalho. Como parece ter sido o caso daquele especialista em economia de um canal por cabo, particularmente incisivo com os entrevistados de que discorda, e que numa entrevista em estilo português suave ao primeiro-ministro, ao insistir numa pergunta, fez questão de se penitenciar: “Desculpe, foi um impulso jornalístico”. E se Passos Coelho lhe tivesse oferecido flores?