A AMEAÇA
Abril 14, 2015
J.J. Faria Santos
Uma ameaça? Bom, talvez uma intimação, um desafio ou uma proposta de investimento. É preciso investir para colher dividendos. E é também um jogo. Com ganhadores e perdedores. Quando os dois ganham é o jackpot. E tem vários níveis. O mais básico coincide com um encantamento inicial. Depois, há que negociar a sua natureza, que percentagem de capital emocional cada um investe e resistir contra o tempo e a erosão que a trivialidade do quotidiano propicia.
A ameaça que Billie Holiday via no amor seria resultado da descrença. Demasiadas apostas, demasiadas derrotas. Melhor o baptismo da chuva purificadora que as juras de amor levadas pelo vento. Baixar as expectativas para iludir as probabilidades. Mas, mesmo assim, a voz que entoava I’m a fool to want you também suplicava For heaven’s sake let’s fall in love. Antes os enlameados caminhos da perdição que o deserto árido da renúncia.
Frank Sinatra foi um dos autores, juntamente com Joel S. Herron e Jack Wolf, de I’m a Fool to Want You. Adam Gopnik assume-se no site da New Yorker como um “fanático” de Sinatra (The Pure Artistry of Frank Sinatra, 8 de Abril de 2015). Gaba-lhe a subtileza da interpretação, a facilidade, a inteligência. Diz que o seu estilo de interpretar é o de alguém que expõe confidências em vez de propagar emoções. Traça o paralelo com Judy Garland, entre a força das lágrimas e a pungência do lamento (“Judy Garland is all vibrato and tears; Sinatra is all legato and regrets.”)
O fraseado e o tempo de Sinatra não parecem muito distantes do de Billie Holiday, sobretudo nos temas daquilo que Gopnik chama de sad Sinatra, por oposição ao swinging Sinatra. Não sabemos se ele via no amor uma ameaça, mas apostamos que o mais provável é que ele fosse a ameaça.
De ressaca amorosa, demasiado refém das cicatrizes para confiar, ela diz para ele não se afastar, embora não se entregue incondicionalmente à fruição de uma nova paixão. Sente o perigo, porque, como ela canta mais à frente, as pessoas podem atraiçoar-nos pelas costas. Embora reconheça a bondade da maior parte dos mortais. Mas também há profissões de fé no amor e apelos à renovação dos cenários da paixão. Porque estamos demasiado confinados às quatro paredes de uma habitação (“watching TV or lost in technology”).
Com excepção de DANGEROUS ( um flirt com a musica de dança, com pozinhos de disco sound) Into Colour é um gloriosa colecção de baladas retro, com reminiscências dos universos de Burt Bacharach, The Carpenters ou Rita Coolidge, interpretadas com competente sobriedade. Ao décimo primeiro tema Rumer já se sente abençoada porque o amor vem a caminho. E, longe de ser uma ameaça, é um pretexto para o júbilo.
O ambiente é pós-apocalíptico. Ruínas, detritos, destruição e abandono. Deslocam-se furtivos um rato, uma aranha, um lobo. Uma mulher determinada a sobreviver encontra um suplemento de força nas fotografias dos objectos do seu afecto presumivelmente desaparecidos. Descarrega a raiva a golpes de taco de golfe e frustrada abandona o telefone preso pelo fio. Pelo fio da sua raiva. Um homem observa-a pela mira da sua arma. Serão duas almas perdidas numa cidade-fantasma até se encontrarem para um tango heterodoxo, porque “num mundo reduzido a pó, o que sobra é o amor” e a maior das ameaças é a sua ausência. O soberbo vídeo de GHOSTTOWN tem realização de Jonas Akerlund e apresenta Terrence Howard a contracenar com Madonna.
Como devemos lidar com a ameaça do amor? Como uma inevitabilidade. Sempre que possível imunes a desmedidas expectativas ou a rancores ou amarguras persistentes. Passado o período de arrebatamento ou de “luto”, conforme as circunstâncias, regressemos ao business as usual. Como explicou o mestre Leonard Cohen, os foguetões subiram pelos céus, os livros sagrados foram abertos e examinados e os médicos trabalharam dia e noite, mas não há cura para o amor.