A ALGAZARRA DO CULPADO
Setembro 10, 2023
J.J. Faria Santos
Se “o clima é de guerra fria”, o culpado mora em Belém. Quem é que alimentou, dias a fio e despropositadamente, o cenário da dissolução do Parlamento? Quem se arrogou o direito de sugerir/exigir a demissão de um ministro e, não satisfeita a pretensão, passou a retaliar com comunicados ásperos a anunciar a promulgação ou o veto das leis? Quem é que se atreveu a “ameaçar” uma ministra, caso não cumprisse “a taxa de execução dos fundos europeus”? Quem é que apelidou o Governo de “maioria requentada e cansada”? Quem é que alimenta, através das “fontes de Belém”, o semanário do regime, tecendo considerações acerca de cenários de governabilidade e de construção de alternativas à direita? Quem é que usa o Conselho de Estado como arma de arremesso político? Quem é que pretende esticar a sua capacidade de influência até ao limite da ingerência? Quem é que pretende chamar a si, de maneira informal, poderes legislativos?
O Presidente da República é a maior ameaça ao regular funcionamento das instituições democráticas. É preciso impor limites aos bullies. O primeiro-ministro sempre tratou Marcelo de uma forma institucionalmente (e até pessoalmente) irrepreensível, como, aliás, tinha tratado Cavaco, a quem chegou a convidar para presidir a um Conselho de Ministros. Qualquer cedência adicional a Marcelo transformaria Costa num primeiro-ministro sob tutela e colocaria o seu Governo ao sabor dos caprichos e dos tiques autoritários do Presidente. Não será por acaso que Daniel Oliveira, à esquerda, afirmou que “Marcelo está a transformar-se num Presidente de facção”; e que Francisco Mendes da Silva, à direita, a propósito dos protocandidatos às Presidenciais de 2026, tenha escrito no Público que “o grande objectivo de quem quer ser Presidente da República é só esse mesmo: ser Presidente da República. Não é a oposição ao Governo, não é a promoção de uma agenda para o país, não é a reconfiguração do espectro partidário nem a reinterpretação dos poderes presidenciais”.
O Expresso diz que Marcelo tenciona evitar o confronto total, e o próprio, em declarações na Feira do Livro do Porto, relembrou a amizade que o une ao primeiro-ministro, afirmando que “as amizades não de deixam cair. São importantes na vida”. A questão é se o próprio Marcelo não se deixará cair em tentação, porque como versejou Natália Correia (citada por António Valdemar na Revista do citado periódico): “o Marcelo neste mapa / a brincar aos cowboys não há nenhum. / passa rasteira: o mais subtil derrapa; / dá ao gatilho da intriga e faz: pum-pum.” Se Costa, nesta matéria, pode invocar o silêncio do inocente, Marcelo não tem como escapar à algazarra do culpado.
Foto: Nuno Veiga/Lusa (expresso.pt)