A LISTA DE COSTA
Março 27, 2022
J.J. Faria Santos
Com a pandemia submersa na corrente comunicacional, a guerra que alterou a ordem mundial foi brevemente ofuscada pela efervescência que acompanhou a divulgação do novo elenco governamental. O Presidente da República aproveitou a circunstância de este ter sido escarrapachado na comunicação social antes de lhe ter sido oficialmente apresentado para fazer um dos seus números de teatro burlesco. A simulação de desagrado institucional foi demonstrada através de uma entrevista informal e o número, de tão rotineiro e artificial, foi surpreendente, mas não relevante. No dia a seguir, paternalista e vagamente ameaçador, proclamou: “Passou. Foi registado. Agora vamos ver para o futuro.” Aposto que António Costa, longe de ter tremido das pernas, encolheu os ombros com enfado e respirou fundo.
Unanimemente saudado por se tratar de um executivo paritário, confesso a minha satisfação pela continuidade de Ana Mendes Godinho (competente) e Marta Temido (corajosa e assertiva), bem como de João Gomes Cravinho (bem preparado, experiente e rigoroso, tendo sido alvo da ira de Marcelo e dos chefes militares por ter ousado reformar o sector. Parece que terá sido avaro nos salamaleques, bendito seja!) As nomeações de António Costa e Silva, Elvira Fortunato e Helena Carreiras geram expectativas elevadas e Pedro Adão e Silva, aparentemente um erro de casting, pode, na minha opinião, vir a fazer um bom lugar. Claro que uma grande qualidade técnica, uma carreira profissional brilhante ou abundantes dotes políticos não garantem capacidade executiva. A prova dos nove, para os noviços, começa agora.
Os que ficaram de fora foram tratados nos média como se fossem concorrentes expulsos do Big Brother. O Pedro, que é amigo do PM, queria continuar, entusiasmado pela maioria absoluta, mas não se comprometia a ficar 4 anos. Nélson quis sair, mas ficou aborrecido pelo facto de o Planeamento ter sido despromovido a secretaria de Estado e não gosta que tratem António Costa e Silva como o “pai do PRR”, quando foi ele, Nélson, que elaborou e negociou o documento final com Bruxelas. E a Alexandra queria ser ministra de Justiça, razão pela qual declinou ser líder parlamentar do PS. O Público escreveu mesmo que Costa “’despediu’ o amigo e número dois, Pedro Siza Vieira, sem remorsos”. Ou seja, a comunicação social ora acusa o PM de se rodear de amigos e de não os deixar cair, ora o retrata como um líder caracterizado pela frieza e pela ausência de estados de alma. Será ingénuo imaginar que se limita a agir de acordo com o grau de oportunidade, pertinência e relevância que determinada acção tem para os superiores interesses do país?
Ainda o Governo não entrou em funções e as pitonisas já determinaram a falha na ambição: falta uma visão de futuro. E evocam os mantras do costume: as “reformas estruturais” que não se adivinham, o “desígnio” que não se vislumbra, a gloriosa cavalgada para a regeneração nacional que nos levaria a inverter a queda do PIB per capita e a trepar na tabela da União Europeia. Se calhar o futuro não pode esperar, mas o presente impõe-nos desafios ainda mais urgentes face a uma conjuntura altamente instável. António Costa foi reeleito com maioria absoluta, julgo, sobretudo pela sua capacidade de transmitir confiança na forma como foi capaz de lidar com circunstâncias complexas e imprevisíveis. E nada é mais imprevisto do que o futuro. A “bazuca”, se mal utilizada, pode vir a ser um mero paliativo, mas a ideia de que existe uma “bala de prata”, engendrada por uma mente iluminada, que transformará Portugal numa nação unicórnio não passa de um delírio.
Imagem: portugal.gov.pt