O FARDO DE VIVER
Junho 11, 2011
J.J. Faria Santos
Tudo nela exibe cansaço e desolação: os braços abandonados, indolentes, a marcarem o ritmo do passo forçado, a linguagem do corpo derrotado e contrafeito, a face devastada pela inglória dos afectos. Passo por ela com a indiferença que a vida quotidiana reserva para os desconhecidos, mas com a deferência com que devemos tratar os destroçados. Porque amanhã poderá ser nosso o lugar de todos os suplícios. No festim da vida, que pode ser jubiloso e inesquecível, estão sempre inscritas as marcas do transitório e do contingente. Não lhe dispenso pena, porque o pudor do sofrimento não merece o despudor da piedade. Reservo-lhe o placebo de um cumprimento, porque como escreveu Bernardo Soares: "Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros uma amabilidade de viagem".