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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

UMA HISTÓRIA DO NATAL PASSADO

Janeiro 09, 2014

J.J. Faria Santos

Algures no final da década de noventa do século passado um adolescente montava a sua bicicleta e percorria diferentes itinerários de pobreza, solicitando uma dádiva que provesse o seu sustento e da sua avó. Mais ou menos regularmente, de quinze em quinze dias, tocava à campainha de uma família que o convidava a entrar, a sentar-se à mesa e a almoçar com ela. Na mesma rua, recolhia apoio noutras casas e algumas vezes foi visto, em escadas exteriores, a ingerir um prato de sopa. Até que um dia, já capaz de garantir o seu sustento, anunciou que não voltaria mais.

Voltou. Dezasseis anos depois. Conduzindo um utilitário onde transportava a mulher e a avó. Falou, primeiro, com um dos elementos da família, o filho, um desmemoriado que não se recordava dele. Queria rever a mãe e lembrava-se que o pai gostava de frequentar um café junto à Estrada Nacional Nº 1, onde jogava damas ou dominó. Dizia que estava bem, agora. Trabalhava na construção civil. Confessou, com confiante candura, que “se metera na droga” mas que se livrara dela. “A sua mãe lembra-se de mim de certeza. Eu, se a vir, reconheço-a”. O que o parecia ter impressionado fora, sobretudo, o facto de tomar a refeição com aquela família. “Não era qualquer um que fazia isso…”, dizia ele, referindo-se ao facto de tocar à campainha, subir a escada e sentar-se à mesa da refeição. Como se fosse um membro adoptado da família.

Reencontraram-se. Um, ainda que longe da prosperidade despreocupada, por certo orgulhoso de tocar à campainha testemunhando uma vida que se reerguera; outros alegres por constatarem que a gratidão não é algo que se solicite mas que se celebra.

Sim, é importante ensinar a pescar. Mas quando o mar está encapelado e a traineira mete água por todos os lados, há gestos que prescindem da ladainha acusatória ou do arrazoado piedoso. A humildade deve ser recebida com dignidade. Um de nós merece estar no meio de nós. Incondicionalmente.

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