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NO VAGAR DA PENUMBRA

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O MEU AJUSTAMENTO

Novembro 27, 2013

J.J. Faria Santos

Com os dados de que disponho no momento em que escrevo, as minhas despesas pessoais, excluindo a alimentação, sofreram um decréscimo de cerca de 7,6% face ao período homólogo do ano transacto. Trata-se do meu esforço pessoal de ajustamento, que faço enquanto cidadão e contribuinte, na decorrência do “enorme aumento de impostos” decretado pelas luminárias que nos governam. É certo que, chegado a este ponto, deparo-me com uma inquietação algo insólita: dado que os ténues sinais de retoma se devem basicamente ao reanimar do consumo, estarei eu a contribuir, com a minha frugalidade, para comprometer o crescimento do PIB ?

A minha austeridade não impediu a aquisição de bens culturais, nomeadamente CDs e livros. A título de exemplo, posso adiantar que o valor combinado dos três últimos livros que adquiri (“Um Eléctrico Chamado Desejo e Outras Peças” de Tennessee Williams, “Hillary Clinton – Uma Mulher no Poder” de Carl Bernstein e “Os Investimentos Públicos em Portugal” de Alfredo Marvão Pereira) foi inferior a 20 euros. (Interrogo-me agora se terá sido sensato ter renovado a assinatura da Vanity Fair. É certo que ao fazê-lo por dois anos obtive uma poupança de 9%, mas o que me preocupa é que, folheando as páginas de publicidade, as da Fabergé, da Chanel, da Baume & Mercier ou da Louis Vuitton, eu seja inoculado com o vírus do despesismo e desate a “viver acima das minhas possibilidade”…)

Admito que uma tradição familiar de moderação de gastos e de valorização do aforro, e uma vida social residual, possam ter contribuído para facilitar esta evolução. Por outro lado, deixam-me indiferentes bens e serviços que a generalidade das pessoas incensa: para além de um pólo Ralph Lauren e de um par de calças Burberry não possuo outras roupas de marcas sonantes, não aprecio viajar (peculiaridade de que não me orgulho) e, para mim, um carro é um objecto com portas e quatro rodas com uma vertente essencialmente utilitária. Não tenho sonhos desmesurados de férias em resorts de luxo nem a frustração de não possuir um palacete com piscina, campo de ténis, ginásio, sala de cinema e jardim zoológico privativo.

Na verdade, falar de dinheiro aborrece-me de morte. Eu sei que faz parte da ordem natural das coisas que os ricos (as famílias tradicionais, a velha casta), se recusem a falar do dinheiro que têm na directa proporção da quantidade que possuem, e que os restantes (os pobres e os remediados) falem com afinco e preocupação da escassez dele ou com orgulho e ostentação da abundância recente, mas que querem? Ao dinheiro, trato-o com respeito, mas com frieza distanciada. Não quero intimidades. Não me desperta paixões, nem arrebatadas nem assolapadas.

Reflectindo agora sobre o assunto, desconfio que este meu comportamento atípico face ao dinheiro estará interligado com uma lacuna gravíssima nas minhas competências: tenho um défice avassalador de empreendedorismo. Na verdade, até há pouco tempo (Oh, santa ignorância!) eu pensava que um empreendedor era uma criatura do reino animal, uma espécie híbrida, meio réptil, meio ave, assim género crocodilo (sorrateiro e mortífero como convém à selecção natural) mas com asas (para poder voar rumo ao futuro de inovação e prosperidade). Já uma pessoa amiga, particularmente casmurra, sempre teimou comigo que um empreendedor era um consultor de comunicação da era digital com uma tese de mestrado numa universidade espanhola…

Sendo um excluído do empreendedorismo (não se preocupem que não me estou a candidatar a ser “subsidiodependente”), compreendo que corro sérios riscos de não ter lugar nesta nova utopia lusa do futuro reajustado. Seja! Prefiro suportar os defeitos do velho Portugal a ingressar nas fileiras deste embrionário novo Portugal. Não lhe reconheço suficientes qualidades.

 

 

 

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