TARTT DE MISTÉRIO
Novembro 14, 2013
J.J. Faria Santos
"The Goldfinch" de Carel Fabritius
(Courtesy of www.bertc.com)
Algures lá para o fim da página 59 de A História Secreta ( Publicações Dom Quixote, tradução de Pedro Serras Pereira), a autora põe na boca do professor Julian Morrow (docente controverso, ora visto como um “grande intelectual dos anos quarenta, amigo de Ezra Pound e T. S. Eliot”, ora encarado como uma “fraude”) a seguinte asserção: “A beleza raramente é doce ou consolatória. Muito pelo contrário. A beleza genuína é sempre bastante alarmante”. Este é um pronunciamento que se aplica com propriedade à própria Donna Tartt. Embora particularmente ciente da sua privacidade, Tartt não corresponde ao estereótipo do escritor recluso (estilo Salinger ou Pynchon), o que é visível na franqueza, numa certa altivez, na quase paradoxal descontracção com que nos interpela. Num ecrã ou nas páginas de uma revista, nas fotografias, olha-nos e o seu olhar é simultaneamente perfurante e impenetrável. Como se fosse ela que nos olhasse, e nós testemunhas e destinatários involuntários da sua presença inquiridora. Annie Leibovitz fotografou-a para a Vanity Fair numa livraria em Nova Iorque, rodeada de livros por todos os lados, como se fosse uma ilha. No texto que acompanha a fotografia, David Gilbert relembra o estatuto de culto de A História Secreta, explicando que “se Brett Easton Ellis era o nosso Truman Capote, então Donna Tartt era a nossa Harper Lee”.Por seu lado, Peter Hapak escolheu retratá-la para a Time de perfil, dos ombros para cima e sobre um fundo branco. Não há sombra de sorriso, apenas a integridade de um rosto que se oferece sabendo-se imune aos vampiros mais diligentes da intimidade. Tim Adams elencou no The Guardian online alguns dos pormenores da sua vida privada que foram alimentando a lenda: o consumo empenhado de álcool, a capacidade de recitar de memória poesia e contos inteiros, o facto de escrever durante a noite, toda a noite, e de não ter possuído, durante muito tempo, um televisor, o catolicismo e o aparente compromisso com o celibato. Podemos ter o conhecimento (o conhecimento destes detalhes), mas saberemos a verdade?
Donna Louise Tartt nasceu em 23 de Dezembro de 1963, em Greenwood, Mississípi, e publicou o seu primeiro romance em 1992. The Secret History (A História Secreta), uma narrativa escrita com erudição e leveza, expõe, na definição de Hannah Rosefield para a revista Prospect, “o lento deslizar para o arrependimento e para a recriminação” de um grupo de jovens adultos que se julgavam invulneráveis. Seguiu-se-lhe, dez anos depois, The Little Friend (O Pequeno Amigo, também editado em Portugal pela Dom Quixote), relato da odisseia determinada de uma menina de doze anos procurando vingar o assassinato do irmão. Em 2013, aos 49 anos, Tartt publicou o terceiro tomo da sua obra: The Goldfinch. O livro começa com um atentado terrorista num museu, em Nova Iorque, e centra-se num dos sobreviventes: Theo, um rapaz de treze anos, que pouco tempo antes do ataque admirava, juntamente com a mãe que sucumbiu ao espoletar da bomba, um quadro de Carel Fabritius, justamente intitulado The Goldfinch. Onde Lev Grossman, na Time, começa por ver uma história de crescimento e de educação para a beleza, David Gilbert, na Vanity Fair, vê no mais recente livro de Tartt a prova de que ela compreende a necessidade humana de “retirar algum significado, alguma ideia de beleza, da brutal inevitabilidade da morte”.
Rosanna Greenstreet recolheu para o The Guardian as respostas da romancista a uma espécie de Questionário de Proust. A coisa mais valiosa que adquiriu (sem contar com bens imobiliários) é um “Land Rover que é incapaz de conduzir”, e assume-se como um fraca dona de casa. O traço de carácter que mais lhe desagrada nas outras pessoas é a crueldade, e o seu maior receio é de enlouquecer. Um dos seus livros favoritos é Lolita , e num filme biográfico acerca da vida dela via como protagonista “Charlotte Gainsbourg se fosse um drama; Parker Posey se fosse uma comédia”. O toque do telefone deixa-a infeliz. E como é que se descontrai? Elementar. “Na cama, com um livro”.