O BINÓMIO DE NEWTON: PODER E TRANSGRESSÃO
Outubro 10, 2013
J.J. Faria Santos
Roselyn at Arcangues de Helmut Newton
(Courtesy of www.bertc.com)
Morreu em Janeiro de 2004, aos 83 anos, quando saía do Chateau Marmont, em Hollywood, ao volante do seu automóvel, na sequência de um despiste causado por um ataque cardíaco. Ao longo da sua carreira, fotografou incontáveis figuras públicas, de Fidel Castro a Thatcher, de Dalí a Hockney, de Faye Dunaway ou Catherine Deneuve a Madonna. Como escreveu Vicki Goldberg na Vanity Fair (Dezembro/2004), ele “tornou a quebra de tabus tão chique e aceitável para a alta burguesia que as celebridades e as socialites corriam para serem reimaginadas pela sua lente audaciosa, excessiva, manhosa, decadente e mesmo, por vezes, amável”.
O que tornou a obra de Helmut Newton (basicamente um fotógrafo de moda e retratista dos famosos e dos infames) tão controversa foi o seu abundante recurso ao nu feminino, envolto em artefactos sadomasoquistas. E no entanto a alegada objectificação da mulher era mostrada com um tal cuidado de mise en scène, a que não faltava por vezes uma intrigante ambiguidade, que nem sempre era fácil perceber se a aparente submissão (à objectiva do fotógrafo ou à devassa do espectador) não escondia um inusitado poder. Pelo menos, teremos de admitir que a dinâmica implícita no trabalho dele sugeria a permuta de papéis entre quem se expunha e quem observava nos terrenos pantanosos da manipulação.
Hannah Betts escreveu no The Times, em Abril de 2000, que no trabalho de Helmut Newton “o sexo era meramente uma subcategoria da sua mais profunda obsessão com o poder”. Ao mesmo tempo que notava que nos seus retratos os famosos eram sujeitos a “um escrutínio tão minucioso que se aproximava da sátira”, em relação ao outro campo de acção do fotógrafo, Betts concluía que “o trabalho de Newton é a admissão do facto que a moda é fetichismo, e a fotografia voyeurismo”.
O artista não escapou à controvérsia mais básica, implícita na interrogação mais comum que sempre surgiu associada à sua obra: arte ou pornografia? Os seus detractores não encontrarão atenuantes na visão de Luc Sante (Vanity Fair – Abril 2012)) de que “as mulheres dominavam o seu mundo” e que os habitantes desse mundo se dedicavam ao “desporto erótico”. Como em todos os desportos, neste também haverá ganhadores e perdedores. Praticantes empenhados e usufrutuários displicentes. E espectadores em trânsito (porque mais tarde ou mais cedo toda a gente vai a jogo). Com um árbitro do calibre de Helmut Newton, estão reunidas as condições para que ganhe o melhor.