A POTÊNCIA RELUTANTE
Agosto 15, 2013
J.J. Faria Santos
Dois artigos recentes debruçaram-se sobre a magna questão do papel da Alemanha na condução dos destinos europeus. Timothy Garton Ash, um atento e estimulante analista das temáticas europeias, começa por se interrogar se o mais poderoso país da Europa será capaz de, em simultâneo, liderar a construção de “uma zona euro sustentável e internacionalmente competitiva e uma União Europeia forte e internacionalmente credível”, para concluir que a Alemanha não conseguirá por si só resolver os problemas da Europa e será, quando muito, um país “primeiro entre iguais” (artigo The New German Question em The New York Review of Books). Já Rana Foroohar, jornalista da Time, escreveu num artigo sintomaticamente intitulado Why Germany Must Save the Euro que, em última análise, só a Alemanha pode solucionar a crise europeia. De que forma? “Subscrevendo toda e qualquer reestruturação de dívida e os empréstimos necessários para manter unida a zona euro, ou alterando o seu modelo económico para permitir um rebalanceamento económico” face às condições internas dos outros países da União, ou mesmo uma combinação destas duas linhas de acção.
Por que razão parece a Alemanha tão pouco empenhada em conduzir os destinos do continente europeu? Garton Ash remete a explicação para a premissa essencial que esteve na origem do projecto do euro – “A união monetária europeia forjada durante e depois da reunificação alemã não foi um projecto alemão para dominar a Europa mas um projecto europeu para conter a Alemanha”.
Quer Garton Ash quer Foroohar realçam que a Alemanha tem sido a principal beneficiária da moeda única, designadamente através do acréscimo nas exportações intra e extracomunitárias. Apesar disso, como nota Garton Ash, “a retórica da política alemã permanece prepotentemente dogmática, com a política económica a soar frequentemente como um ramo da filosofia moral, senão mesmo da teologia protestante”. O autor recorda que Angela Merkel chegou a sugerir que os países endividados do Sul deveriam “expiar os pecados do passado”. Por outro lado, Rana Foroohar destaca que o enriquecimento alemão teve como contrapartida o endividamento dos restantes países, fomentado por uma política monetária de baixas taxas de juro caucionada pelos germânicos, concluindo que a “estratégia económica mercantilista da Alemanha desempenhou um papel mais preponderante na crise da dívida europeia” que o despesismo dos países sulistas.
Pode a receita alemã (uma economia competitiva assente no dinamismo das exportações) ser replicada pelos restantes países do euro? Garton Ash destaca uma curiosa analogia – a Alemanha enquanto “campeã das exportações” tem sido descrita como a “China da Europa” – para evidenciar que nem todos os países podem ser como a China, pois não haveria quem adquirisse os produtos exportados. Rana Foroohar repete o argumento e acrescenta que “a ideia da Alemanha remodelar a Europa à sua imagem em termos fiscais é uma impossibilidade económica”, recordando que “a Alemanha enriqueceu porque enquanto praticava a austeridade os outros países gastaram livremente”.
Claro que nada disto permite dispensar a necessidade de orçamentos equilibrados, da reformulação dos sistemas de segurança social pressionados pela demografia e de promover a competitividade das economias europeias. Será, contudo, avisado recusar os modelos uniformizadores que ignoram as especificidades de cada país, minimizam irracionalmente o papel do Estado, ignoram a necessidade de regulação apertada do sistema financeiro e desvalorizam a própria democracia ao proporem terapias de sentido único.
Numa altura em que seria importante que alguém nos inspirasse a “acreditar de novo no sonho a que chamamos Europa”, Timothy Garton Ash lamenta as debilidades oratórias de Angela Merkel e de toda a classe política alemã que, segundo ele, “usa uma espécie de linguagem-lego sanitizada, compondo frases pré-fabricadas de plástico oco”. Já Rana Foroohar reconhece um mérito a Merkel: “A habilidade dela em ser simultaneamente uma alemã prudente e uma europeia generosa garantiu a coesão (held things together) – até agora”.
Independentemente da desconfiança alemã de que quando os outros países europeus lhe pedem liderança o que verdadeiramente querem é dinheiro, é a própria ministra do Trabalho alemã que realça a importância da União Europeia ao afirmar desassombradamente que “a Alemanha é forte por causa da Europa, e não apesar dela”. Quanto aos outros países da União, principalmente os mais afectados pela austeridade recessiva, poderão partilhar a visão política de Kennedy quando este afirmou “Ich bin ein Berliner”, mas em relação ao mix de políticas económicas defendidas pelos alemães deveriam dizer o que um ex-ministro português disse a propósito da localização de uma dada infraestrutura aeroportuária: “Jamais!”.