EN GARDE, MADAME LAGARDE!
Abril 25, 2013
J.J. Faria Santos
“Por vezes há reuniões em que eu interrompo a discussão e digo: ‘Parem. Perdi-me. Vocês têm de usar expressões simples que as pessoas comuns compreendam, doutra forma ficarão a falar só para vocês próprios’”, explicou Christine Lagarde à Time, num perfil traçado por Vivienne Walt de alguém que é definida como “advogada de formação e política por instinto”, e uma formidável gestora de recursos humanos. Lagarde não considera uma absoluta necessidade que seja uma economista de formação a gerir os destinos da instituição, mas parece que existem nesta alguns saudosistas de Strauss-Kahn. A Time cita um economista italiano, Domenico Lombardi, autor de um relatório acerca da reforma do FMI, que afirma: “Ela não é uma economista, e para uma instituição tão tecnocrática isto causa uma certa tensão”. Traduzindo: ela não faz parte da casta. E não ajuda que Lagarde tenha um discurso que alerta para os efeitos contraproducentes do excesso de austeridade, num claro contraponto à inflexibilidade de Angela Merkel e ao fundamentalismo do pensamento económico dominante.
A tese económica prevalecente acerca da crise europeia (diagnóstico e terapêutica) acabou vitimizada pela soberba da sua própria formulação teórica – ao ser apresentada como inevitável, inescapável e imutável, e assente em pressupostos teóricos e até morais alegadamente indiscutíveis (frugalidade vs. excesso), acabou por diminuir o seu próprio espaço de manobra para a acomodação do erro. A consequência deste facto é o desbaratar do capital político dos decisores.
Quando o conselheiro de Estado Vítor Bento declara ao Público (edição de 8/04/2013) que se dá “uma excessiva importância à falibilidade das previsões económicas, como se a economia fosse uma ciência exacta, que não é”, ou que estamos “numa situação de turbulência que altera os parâmetros económicos dos modelos”, podemos começar por admirar a honestidade intelectual, mas jamais deixaremos de fazer notar que quando as teorias económica são o template para a acção executiva dos governos não há forma de escapar à punição política motivada por erros de definição, cálculo ou previsão. É difícil haver perdão para “desvios” ou “surpresas” que resultaram em devastação económica ou social, sobretudo quando são formuladas ou conduzidas com zelo e auto-suficiência por incensadas mentes brilhantes detentoras de graus académicos de prestigiadas universidades estrangeiras.
O que os debates mais ou menos académicos acerca dos multiplicadores orçamentais usados pelo FMI (que subestimaram o impacto negativo da austeridade), ou das insuficiências da tese da dupla Reinhart-Rogoff (acerca do limiar a partir do qual a dívida pública inibe o crescimento de uma dada economia), mostram é que a acção executiva não pode ficar refém da rigidez teórica, aplicando uma receita sem uma monitorização apertada do seu impacto. Os que defendem a bondade da “ditadura” do ministro da Finanças num elenco governamental incorrem num erro. O ministro das Finanças pode ser o navegador mas é ao primeiro-ministro que compete a condução dos negócios do Estado, ou seja, politik über alles!
Com a patente ausência de líderes visionários, ou pelos menos apetrechados de bom senso, estaremos dependentes da heterodoxia de tecnocratas como Mario Draghi ou Christine Lagarde para nos livrarem da ortodoxia financeira dos políticos? Talvez estejamos dispostos a perdoar alguns pecadilhos a Madame Lagarde se esta, enquanto se recosta numa cadeira e sorve o seu chá Darjeeling, congeminar subtis maneiras de sabotar as terapias monotemáticas do FMI.