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NO VAGAR DA PENUMBRA

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RIO SEM REGRESSO

Fevereiro 21, 2013

J.J. Faria Santos

No ano em que se completa o vigésimo aniversário da sua morte, estreou no Festival de Berlim Dark Blood , o último filme rodado por River Phoenix, dirigido por George Sluizer e com a participação de Jonathan Pryce e Judy Davis. Jorge Mourinha, no Público, chama-lhe “um ‘rascunho’ do filme que não chegou a ser acabado”, mas Kate Connolly escreve no Guardian  que a película,  que tem sido definida como um “western  apocalíptico existencialista”, foi recebida calorosamente pela crítica.

River Phoenix, que faleceu em Los Angeles no dia 31 de Outubro de 1993 vítima de uma overdose, estreara-se no cinema pela mão de Joe Dante. A sua interpretação em A Costa do Mosquito, de Peter Weir e ao lado de Harrison Ford, impressionou de tal forma o músico brasileiro Milton Nascimento que este compôs um tema em sua homenagem. “Se um dia a gente se encontrar / e eu confessar / que vi um filme tantas vezes / para desvendar os olhos teus / E se a gente se falar /contar as coisas que viveu / o que esperamos do amanhã / será que pode acontecer? / Pois paralelo ao personagem, eu quis saber mesmo é de ti”, cantou Milton, celebrando o que de mais apelativo se desprendia da performance de Phoenix: a capacidade de credibilizar toda uma paleta de emoções, sem tiques de representação, e que fazia transbordar a empatia do espectador do personagem para o actor. Não se tratava de naturalismo ou hiper-realismo, tratava-se de colocar os seus dotes dramáticos ao serviço de uma genuinidade que parecia impossível.

Conta Comigo, de Rob Reiner (1986), notável ensaio sobre o fim da inocência, colocou-o na lista nos talentos indesmentíveis e, dois anos depois, receberia uma nomeação para o oscar de melhor actor secundário pelo seu desempenho em Fuga sem Fim , de Sidney Lumet, uma meditação sobre a identidade e a família, as convicções e a culpa.

Colocado em plano de destaque na indústria cinematográfica norte-americana, não se inibiu de participar em projectos menos convencionais. Protagonizou, conjuntamente com Keanu Reeves, A Caminho de Idaho, um ambicioso filme de Gus Van Sant. Nele, interpretou o papel de Mike, criatura que sofria de narcolepsia. Acerca desta condição, afirmou Van Sant à revista The Face (Março de 1993): “É uma bela metáfora para o seu desamparo, para a sua vulnerabilidade. E é uma maneira interessante de passar de um determinado lugar para o seguinte. É um comentário sobre o tempo. O tempo passa por ele sem que ele, porque está a dormir, note”. Pungente retrato do desamparo e da solidão, de uma busca desencantada sem  a esperança da redenção,  em A Caminho de Idaho  Phoenix conseguiu um feito que, no feminino, só Marylin Monroe lograra atingir: trilhar os caminhos da perdição (Mike vende o corpo a homens e mulheres para sobreviver) sem perder a aura de inocência.

Mesmo nas situações mais extremas, mesmo no mais radical strip-tease  emocional, River parecia ser capaz de preservar uma intimidade intocada. Talvez por isso, João Lopes tenha escrito no Expresso, poucos dias volvidos sobre a sua morte, que “… a timidez cansada do seu olhar parecia falar-nos de um além a que, por pudor, decidíamos não aceder”.

No derradeiro dia de Outubro de 2003, River Phoenix saiu do bar The Viper Room  e, ao contrário dos pacíficos ataques de sono, sofreu um colapso e revolveu-se em convulsões. Enquanto a namorada colava os lábios aos dele, procurando insuflar-lhe mais que o amor a vida, o irmão Leaf pedia desesperadamente socorro aos serviços de emergência. Na persona pública de Leaf, hoje sobejamente conhecido pelo nome Joaquin Phoenix, nada parece fazer evocar a serenidade de River. Antes pelo contrário. Mas talvez na intimidade a folha se estenda sobre o rio para navegar na tranquilidade dos laços fraternos. Mesmo que seja um rio sem regresso.

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