ANATOMIA DA GREI III - FRANK
Janeiro 26, 2013
J.J. Faria Santos
Frank deu uma queda. Frank tem oitenta anos. Prostrado no chão do quarto, desatou a berrar que tinha “perdido o bracinho” e não sabia dele. Frank partiu um braço e fez equimoses no outro.
Meditemos nesta incongruência: os amputados podem sentir a presença do membro ausente; os fracturados, aparentemente, podem não sentir o que está presente.
Fracturar é partir, desligar, quebrar. Transportemos a acção para outra dimensão: quando se quebra um sentimento – a segurança, a confiança, a amizade, o amor – ele é extirpado (amputado) ou permanece até ao limite do suportável (fractura exposta)? Não poderemos dizer de alguém que traiu a nossa confiança: perdeste-te e eu perdi-te? Estás aí, mas não te reconheço?
O corpo também nos falha, como Frank bem sabe. Tem agora o período da convalescença para redescobrir o membro superior. E para testar a sua impaciência. Porque, aos oitenta anos, um homem confronta-se com uma espécie de paradoxo do tempo: se a disponibilidade é elevada (como preencher os espaços diários de ócio?), a durabilidade é imprevisível mas seguramente mais escassa (até quando poderei continuar a assistir ao despontar de cada dia?). E quando se está enfermo, é mais fácil alimentar angústias pelo tanto que se pode perder que bendizer o muito que se tem.