F.M.I. (FATAIS MEDIDAS INÍQUAS?) II - O RELATÓRIO
Janeiro 20, 2013
J.J. Faria Santos
O FMI tem uma enorme preocupação com a moral. Para ser rigoroso, terei de esclarecer que o que atormenta os seis autores do relatório Portugal, Rethinking the State – Selected Expenditure Reform Options é o risco moral. Exemplos? Reduzir as pensões mais elevadas da Caixa Geral de Aposentações pode desfazer a ligação entre a contribuição e o benefício futuro e constituir um “incentivo à informalidade” (pág. 39); o risco moral é elevado nos actuais desempregados dado que a eles se aplicam regras “mais generosas” (pág. 47); já a limitação da dedução das despesas das famílias numerosas, ou das despesas com a habitação, poderá ter como consequência a opção dos casais por “viverem separados” (pág. 51), uma alteração de comportamento com impacto fiscal negativo para o Estado.
Será que a instituição nos propõe uma moral (isto é um caminho sujeito a determinadas normas e valores) ou nos atropela com o seu moralismo (ou seja, nos impinge o rigor excessivo e a suposta bondade dos seus modelos) ? A resposta é óbvia e desde o início que o relatório não esconde ao que vem, embora surpreenda com uma ou outra concessão, aqui e ali. Começando por afirmar que “o tamanho do Estado é uma questão de escolha política”, concede que uma política governamental não deve ter como objectivo primordial um Estado mais pequeno mas “eficiente e eficaz, que complemente e estimule a actividade económica privada” (pág.11). Contudo, não resiste a vaticinar que este objectivo tem mais probabilidade de ser atingido num Estado mais reduzido.
Por entre “pressupostos errados”, estatísticas manipuladas ou seleccionadas para ilustrar uma tese, dados desactualizados e conclusões altamente questionáveis ou mesmo patentemente erradas, e propostas de cortes irrealistas, impraticáveis ou insensatos, emergem dados indesmentíveis que servem para que quem encomendou o estudo possa dizer que temos, por fim, uma inventariação de problemas estruturais que exigem uma acção imediata.
Curiosamente, o RSI (a bête noire do número três do governo, o ódio de estimação do Dr. Portas) recebe elogios no relatório. Apesar de alertarem para o risco de subsidiodependência e da sua suposta vulnerabilidade face aos abusos, os autores consideram que cumpre a função para que foi criado ao amparar os mais carentes. “Os dados disponíveis indicam que 89% dos benefícios vão para os 20% mais pobres da população”, pode ler-se na página 48 do relatório. E, um pouco mais à frente, acrescenta-se que “cerca de quarenta por cento dos beneficiários do rendimento social de inserção são crianças, esmagadoramente do grupo de mais baixos rendimentos”. Nada disto oculta o propósito evidente do relatório, que é, como bem notou Francisco Assis (Público, 17.01.2013), uma “tentativa de deslegitimação radical do Estado-providência, quer pela via do questionamento da sua sustentabilidade financeira, quer pelo caminho da contestação da sua eficácia redistributiva”.
Se o FMI tivesse, deveras, uma preocupação fundamental, ela deveria ser a de evitar o risco da imoralidade. Da imoralidade berrante e aberrante que se desprende de propostas como as que sugeriram cortes de 10% em todas as pensões, ou de 15% para as pensões acima do valor mínimo.