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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

UM CONTO DE NATAL (V)

Dezembro 23, 2012

J.J. Faria Santos

 

5. Lana, Marco, Marina, Xavier

 

 

As pessoas danificadas têm o charme da decadência? Talvez, ruminou Marco, mas, quando gostamos delas, cogitou, preferimos que elas projectem a vibração e a pujança das vidas em construção. Nada há de jubiloso nas desistências. Ele jamais trocaria a aparente monotonia da bonança pelo estilo rebelde dos perdidos. Porém, Lana não parecia perdida, mesmo com o olhar vagueando pelo horizonte e o cabelo ondulando com a brisa. Não foi ele o primeiro a descobrir a garrafa de champanhe pousada aos pés dela, nem as quatro taças dispostas em redor desta, como se fossem guardiões antes de serem receptáculos. “Parece que vamos celebrar alguma coisa”, murmurara Marina. Xavier sorrira. Estava habituado a que Marina resmungasse perante o alívio. Descomprimira ao ver a irmã a poucos metros, mas não resistira à censura.

“Vieram salvar-me? Eu não tenho salvação”, proclamou Lana, assertiva, desafiante, rindo muito, como se não temesse cortejar a loucura ou provocar a insanidade.

“Não, viemos salvarmo-nos”, ripostou visceralmente Marco, retribuindo o sorriso, ao mesmo tempo que causava o entreolhar atónito de Marina e Xavier.

Não houve tempo para silêncios constrangedores, não foram pedidas justificações nem adiantados pretextos. Marco pegou na garrafa e fez disparar a rolha num trajecto ascendente, primeiro, e depois descendente em direcção ao rio. Xavier pegou nas flûtes e distribuiu-as. Marina aceitou com fingida relutância. Na sua maioria, os carros que passavam no tabuleiro ignoravam a assembleia, mas alguns buzinavam em sinal de saudação à celebração, e outros abrandavam como se adivinhassem um acidente.

Vidro cristalino retiniu, pensamentos opacos, ocultos ou furtivos, soltaram-se nas mentes subitamente libertas como espuma ou borbulhas de humanidade. Marina imaginou a pele revestida por um invólucro de tecido encarnado a caminho de um encontro promissor; Marco antecipou o reencontro com Guida e os miúdos, efervescentes de impaciência para abrir os presentes; Xavier admitiu convidar Eva para um repasto tardio de sonhos e licor. E, no entanto, nenhum deles tinha pressa. Essa era a magia de Lana, alguém que nada parecia esperar, não ter ninguém para a receber nem para se dar, mas de quem todos só com muitas reticências escolhiam separar-se.

Esvaziados os copos e a garrafa, arremessaram-nos para o rio, eufóricos e embaraçados, entre o receio da ilegalidade e a consciência de um acto absurdamente juvenil. Afastaram-se sem inquirirem destinos nem aprazarem reencontros. A ponte é uma passagem, mas também um ponto de encontro.

No dia seguinte, manhã fria de um dia 25 sempre caloroso, Marina, Marco e Xavier receberam uma mensagem de Lana, que dizia simplesmente “L.O.L”. A escolha estava feita. Até quando? Tudo é provisório, nada é definitivo.

 

Fim

 

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