MOURA ENCANTADA
Dezembro 12, 2012
J.J. Faria Santos
Já sabíamos que Ana Moura existia para além do fado. Poderíamos, contudo, recear que a sua veia experimentalista a fizesse correr o risco da descaracterização, ou que a leveza das novas rotas desvirtuasse a gravidade do rito fadista, retirando-lhe profundidade. Só que, porventura inspirada pela letra que Paulo Abreu de Lima escreveu para o tema Despiu a Saudade (“Vai p’ró espelho, faz-se bonita / Lábios vermelhos, corpo de chita”), ela foi buscar ao felino a astúcia e a velocidade, o engenho e o risco, para um trabalho que esbate fronteiras, em mais que um sentido. Que a harmonia e a coerência de Desfado não se ressinta da diversidade é um triunfo adicional. Porque afinal não é assim tão grande a distância que vai de A Case of You (Joni Mitchell - “Go to him , stay with him if you can / But be prepared to bleed”) até O Espelho de Alice (Nuno Miguel Guedes - “Todas as coisas são estranhas / Todas as dores são tamanhas / E eu o seu inventário…Mas na louca lucidez / eu sei que esta é a vez / em que o fim é recomeço”).
Talvez nunca antes o espírito do fado tenha estado tão virado para o futuro. Em Como Nunca Mais (Tozé Brito), Ana Moura começa por convidar a saudade a entrar (“Saudade, vá, entra à vontade / Porque eu já esperava que fosses voltar”) para terminar numa declaração de fúria de viver (“Não há dois dias / Nunca iguais / E eu quero viver cada dia / Como nunca mais”.