A IRONIA FICA-LHE MAL
Novembro 29, 2012
J.J. Faria Santos
O tom foi o do costume: solene, monocórdico, insípido, rígido. O conteúdo afastou-se, surpreendentemente é certo, da catilinária de pitonisa (eu tinha alertado…eu já tinha previsto, no meu discurso de x usei a expressão y para alertar para..., etc). Também não se vislumbrou sombra dos banais apelos ao fim “das querelas inúteis” ou pouco subtis alusões à suprema discrição da sua “magistratura de influência”. Desta vez, Cavaco Silva, na entrega dos prémios Gazeta, quis casar o humor com a ironia e inaugurar a stand-up presidency. Para a coisa resultar, faltou-lhe leveza, desprendimento, sentido lúdico. Pior ainda: o texto pareceu um ajuste de contas com os que criticaram os seus silêncios ou a sua aparente inacção. A retaliação é um péssimo pretexto para o humor.
O ponto da situação é este: quando se cinge ao seu registo habitual, Cavaco é opaco e insuficiente; quando pretende inovar, torna-se artificial e desajustado. Enclausurado no seu palácio, rodeado de cortesãos aduladores, manietado pelas suas certezas, espicaçado pelos seus ressentimentos, condicionado pelo seu cadastro político, caminha, ao que parece inexoravelmente, para a irrelevância e para a inutilidade. Um presidente que vê em cada opinião um agravo inadmissível, em cada discordância uma afronta e em cada apelo uma pressão ilegítima só pode esperar, creio eu (sem ponta de ironia), um recorde de dislikes no mundo virtual e na vida real.