TRUMAN SHOW
Novembro 22, 2012
J.J. Faria Santos
Ele tinha acesso ao mundo restrito da aristocracia social dos ricos e poderosos. Uns celebravam o seu talento, outros toleravam as suas excentricidades por causa da sua inultrapassável capacidade de lisonja, outras ainda concediam em tornar-se suas musas, numa relação simbiótica em que Truman Capote acedia ao Olimpo da elite e elas se deixavam envolver pela mistura irrecusável de talento, entretenimento e sedução que ele lhes fornecia.
“Descobri que o que me faz melhor é apanhar um táxi e ir até ao Tiffany’s. Fico logo mais calma com a serenidade e o ar digno que aquilo tem. Não há nada de realmente terrível que nos possa acontecer ali, com aqueles homens de fato janotas, e o cheiro fantástico da prata e das carteiras de crocodilo”, desabafa Holly Golightly em Boneca de Luxo (Editorial Notícias/Público). Não é despiciendo evidenciar as semelhanças entre o percurso da personagem que Audrey Hepburn viria a imortalizar e a busca de fama e realização pessoal do autor, cujo impacto na literatura contemporânea teria o seu ponto alto com o seu romance-reportagem A Sangue Frio.
Capote acabaria por sucumbir perante as armadilhas da sua ambição, simbolizada pelo seu desiderato de emular Proust. Como escreveu Sam Kashner (Vanity Fair, Dezembro 2012), “expor os segredos dos ricos e poderosos de Manhattan era nada menos que suicídio social”. A nata da sociedade nova-iorquina jamais lhe poderia perdoar a quebra do pacto de confiança e discrição. Vampirizar a vida dos ricos e famosos, criando figuras e recriando episódios onde o véu da ficção era tão translúcido que deixava adivinhar a cruel realidade, acabaria ele por confessar, era inevitável. “O que é que eles esperavam? Sou um escritor, e uso tudo. Aquela gente toda achava que eu estava ali para os entreter?”.
O pecado capital de Truman Capote foi ter-lhes bloqueado a rota de fuga: a impunidade que os afluentes julgam ser uma sua prerrogativa, como se pudessem eximir-se a pagar o preço das suas escolhas. Do seu “harém” de socialites, Babe Paley deixou de lhe falar, Gloria Vanderbilt ameçou cuspir-lhe na cara e Ann Woodward ter-se-á suicidado. Danos colaterais da prosa verrinosa de quem afirmou que toda a literatura é composta por mexericos (“All literature is gossip” ), e cujo arrojo literário deixou as rainhas do jet-set, protagonistas de uma faustosa vida (ir)real, vulneráveis perante o poder da ficção. De uma ficção que lhes mostrou um espelho, onde viram reflectidas, enquanto formulavam o clássico “Espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”, os esgares assombrosos de um Dorian Gray no feminino.