VALÉRIE, LA JALOUSE
Setembro 27, 2012
J.J. Faria Santos
Dirigindo-se a Ludovico, depois de ter assassinado a sua Desdémona e pouco antes de se apunhalar, Otelo pediu-lhe que narrasse os acontecimentos que testemunhara, exortando-o a traçar “o retrato dum homem que não amaria com prudência, mas que amou sinceramente; dum homem que se não tornou facilmente ciumento, mas que uma vez perturbado se deixou arrastar até aos últimos extremos”.
Se Shakespeare retratou tão bem os abismos do ciúme, Jean Cocteau, no seu monólogo A Voz Humana , debruçou-se, com um olhar clínico, sobre a devastação da mulher abandonada. A dada altura da conversa telefónica (pouco depois de ter confessado que sabia da existência da rival e portanto intuído uma espécie de separação anunciada), a mulher ao telefone detém-se na descrição sumária do seu tormento: “A primeira noite, dorme-se. O sofrimento distrai, é uma novidade, e suportamo-lo. O que não se suporta é a segunda noite, a de ontem, e a terceira, a de hoje, a que vai começar dentro de alguns minutos, e amanhã e depois de amanhã, dias sobre dias, a fazer o quê, meu Deus?”.
Que receia o ciúme senão o abandono?
Valérie Trierweiler, a controversa primeira dama de França, que forma com François Hollande e Ségolène Royal o triângulo da discórdia, protagoniza uma narrativa de insegurança, possessividade e interferência que, dizem, poderá pôr em causa a autoridade e a dignidade da magistratura do “presidente normal”. Podem os sentimentos privados perturbar a gestão da coisa pública? Serão os cargos de poder lugares de ascetismo, de uma casta neutralidade emocional, de uma dedicação tão exclusiva e focada no métier que qualquer distracção ameaça o equilíbrio das instituições?