O ESPECIALISTA, O REVOLUCIONÁRIO E O PROFETA
Julho 12, 2012
J.J. Faria Santos
Contra a corrente, Anthony Atkinson, especialista em distribuição do rendimento, afirmou em entrevista ao Público (edição de 2/07/2012) que o equilíbrio das finanças públicas tem de passar por “aumento de impostos, mais do que cortes orçamentais”, designadamente “cobrar os impostos às pessoas que não estão a pagar”. Na mesma entrevista, destacou o facto de, na última década, “o país em que a pobreza se tornou mais importante” ter sido a Alemanha, tendo atribuído o aumento do nível de pobreza ao efeito conjugado de factores como a criação de empregos mal pagos, os cortes no subsídio de desemprego para encorajar a aceitação destes mesmos empregos, a desregulação da negociação colectiva e a política de privatizações.
A propósito da sua discordância em relação à redução da protecção social, fez uma referência a um relatório da OCDE, Divided We Stand, Why Inequality Keeps Raising. No site da organização está disponível uma espécie de sumário das conclusões que suportam a evidência da crescente disparidade nos rendimentos, bem como pistas para a correcção da trajectória.
Nos países da OCDE, o rendimento médio dos 10% mais ricos é cerca de nove vezes superior ao dos 10% mais pobres. Embora a evidência empírica acerca dos indutores da desigualdade seja inconclusiva, é inegável o contributo de factores como a globalização e o progresso tecnológico, sendo que “as escolhas políticas, a regulação e as instituições têm um impacto crucial” na forma como eles afectam a distribuição do rendimento.
O relatório enfatiza o papel central da educação – “o mais importante factor, considerado de forma isolada, a contribuir não apenas para a redução da disparidade salarial, mas também para o crescimento da taxa de empregabilidade” – e define três pilares fundamentais que devem enformar uma estratégia política de redução da desigualdade: investimento no capital humano, promoção da inclusão no mercado de trabalho e políticas redistributivas bem delineadas.
Analisando o papel do Estado, frisa-se que as políticas sociais (transferências em dinheiro, progressividade dos impostos sobre o rendimento e contribuições para a segurança social) reduzem a “desigualdade entre a população activa (medida pelo coeficiente de Gini) em cerca de um quarto, em média, nos países da OCDE”. E mais: “Embora o principal objectivo dos serviços públicos não seja a redistribuição de rendimentos, mas sim a disponibilização de uma educação adequada, cuidados de saúde básicos e padrões de vida aceitáveis, eles têm de facto um carácter redistributivo. Nos países da OCDE, eles reduziram a desigualdade no rendimento em cerca de um quinto, em média.”
Em Portugal, em 2011, o rendimento disponível caiu, em termos reais, 4,5%. No primeiro trimestre de 2012, as remunerações pagas baixaram 3,9%, qualquer coisa como 765 milhões de euros, e o desemprego atingia 819 300 pessoas (14,9%). Tendo como referência o mês de Maio de 2012, 54,2% dos desempregados (444 060 indivíduos) não recebiam qualquer prestação por desemprego. Junte-se as debilidades internas à turbulência internacional, a agenda ideológica do Governo (designadamente a desvalorização das funções sociais do Estado e do seu papel de regulação das actividades económicas) à receita indiferenciada e irredutível da troika e temos o cenário ideal para que a profecia de Pacheco Pereira (Público, 7/07/12) se cumpra: “(…) Passos Coelho pode vir a ser o grande responsável de, no afã de querer prosseguir um programa próprio de ‘revolução’, deixar o país pior do que o que estava”.