EMANUEL, O ANTI-SOCIAL
Julho 05, 2012
J.J. Faria Santos
“O homem é um ser eminentemente gregário”. A frase, de autor que não relembro, permaneceu na memória depois de lida num livro escolar, e assomou de novo ao meu pensamento ao ler no Público de ontem a história do Emanuel, que não sai de casa há dezoito anos. O psicólogo Nuno Gil, ouvido pelo periódico, rejeita um diagnóstico de depressão e arrisca a hipótese de uma “esquizofrenia simples”, não afastando liminarmente a possibilidade de se tratar de um indivíduo bizarro, não enquadrável, portanto, necessariamente, num “caso psiquiátrico”. Um amigo da família diz que ele “conversa sobre tudo” e que é uma “pessoa informada” e “inteligente”. E também diz que ele tem “alguma aversão ao mundo”. Outras “teorias” aludem a problemas de ordem “espiritual” e a “misticismo religioso”.
O que o terá encerrado na fortaleza da sua casa? A que se deverá a sua misantropia militante? Que terá espoletado a fobia social?
“Regressou, mais tarde, e meteu um bilhete debaixo da porta. Depois vieram outros, no dia seguinte, passados dois dias, bateram, procuraram a chave, chamaram por ti, deixaram ficar mensagens debaixo da porta. Tu lês os bilhetes e amarrota-los. (…) Não te apetece ver ninguém, nem falar, pensar, sair, mexer. É num dia como esse, um pouco mais tarde ou um pouco mais cedo, que descobres sem surpresa que há qualquer coisa que está mal, que, para falar abertamente, não sabes viver, nunca saberás”. Assim descreve George Perec o aturdimento do jovem estudante protagonista do seu livro “Um Homem que Dorme” (Editorial Presença). Terá Emanuel concluído padecer de uma inadequação semelhante às exigências da vida quotidiana?
Faltam detalhes na narrativa. É certo que ele tem uma retaguarda familiar que serve de suporte para as questões práticas ligadas à subsistência, mas exerce alguma actividade, remunerada ou lúdica, no remanso do lar? Terá conseguido a partir de uma situação inusitada (de isolamento, renúncia, recusa) construir uma teia de relações ao domicílio, ainda que restrita, que lhe permita experienciar uma outra forma de vida numa espécie de incubadora? É que, como escreveu Isabel Marie, no seu romance “A Criada” (Terramar ): “Não é fácil domesticar o mundo. Construir uma toca no caos exige grandes cuidados”.