FELICIDADE:A LABAREDA, A FÓRMULA, A ESCURIDÃO E O ESTOICISMO
Junho 16, 2012
J.J. Faria Santos
O meu primeiro contacto com Fahrenheit 451 foi cinematográfico, cortesia de François Truffaut. Recordo a minha admiração juvenil pela ideia de, funcionando como gesto de resistência e como preservação de um legado para as gerações seguintes, decorar um livro. O facto de em francês livros e livres se grafar da mesma forma adensou a carga simbólica. Só mais tarde li o romance de Ray Bradbury, escritor americano nascido em 1920 e cujo falecimento ocorreu no princípio deste mês. Toda a trama se desenrola no contexto de uma sociedade totalitária, de supressão de qualquer ideia de cultura, de repressão do pensamento. Assistimos à “conversão” de Montag: do zelo de bombeiro-pirómano à dúvida; da dúvida à transgressão; da transgressão à resistência activa. A irredutível proibição da posse e leitura de livros assentava no pressuposto de a literatura tornar as pessoas infelizes. Não bastava a simples interdição, era necessário queimá-los em autênticos autos-de-fé.
Em Janeiro de 2003, a BBC News noticiou que cientistas britânicos tinham descoberto a fórmula da felicidade: P+(5xE) + (3xH). Explicou o Público, na sua edição de 8 de Janeiro do mesmo ano, que “P são as características pessoais (postura perante a vida, adaptabilidade e resistência), E é o parâmetro da existência (saúde, estabilidade financeira e amigos) e H representa as necessidades de ordem superior(…), abrangendo a auto-estima, as expectativas, ambições e senso de humor”. No século XXI, como testemunham a proliferação dos livros e dos cursos de auto-ajuda, as filosofias new age, o incremento dos diagnósticos de depressão e o consumo de ansiolíticos e antidepressivos, parece ter florescido uma reivindicação (algo infantilizada) da felicidade como direito adquirido, bem como uma incapacidade de lidar com a frustração dessas expectativas. Parece-me, do meu posto de observação de leigo na matéria, que o factor H tem de ser trabalhado.
É neste sentido que se devem interpretar as palavras do escritor suíço Alain de Botton em entrevista ao Expresso (edição de 9 de Junho de 2012). Disse ele: “ Creio que é ingénuo desejar a felicidade constante, acho que é importante buscar a realização, mas é muito mais importante saber sofrer convenientemente. Sou um pessimista, como Freud, e penso que a sociedade moderna é penosamente optimista nestes tempos, o que origina sentimentos de perseguição e de paranóia: o que há de errado em mim?, o que fiz de errado? E acho que certa sabedoria das religiões, de algumas filosofias e da psicoterapia é aceitar a escuridão com dignidade e estoicismo.”
Saibamos, então, acolher a escuridão, almejemos a sua brevidade, mas compreendamos que nada melhor que ela para nos anunciar o fulgor da luz (ao fundo do túnel ou nas gloriosas alturas de uma constelação).