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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

UM FASCISTA NO PODER NA AMÉRICA

Abril 27, 2025

J.J. Faria Santos

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Jason Stanley, professor em Yale, de partida para uma universidade no Canadá, explica deste maneira em entrevista ao Expresso a sua escolha: “Não quero que os meus filhos vivam num país com um regime fascista”. Stanley acha ingénuo supor que a terra da liberdade não possa ser vítima do esboroar da democracia. E nota: “Se os alunos estrangeiros deixam de repente de se poder expressar, que garantia temos de que a seguir não seremos nós?”

 

A revista Time, a propósito da sua lista das 100 pessoas mais influentes do mundo, assinala que “nenhum outro presidente moderno tomou o controlo pela força do governo dos Estados Unidos como Donald Trump”. “Despediu procuradores e inspectores-gerais”, “descartou milhares de funcionários federais, eliminou programas de ajuda global” e esvaziou o Departamento de Educação. E ameaçou invadir a Gronelândia e retirar o apoio à Ucrânia nos intervalos da sua guerra cultural contra os programas de diversidade das empresas e das universidades. Acolitado por J. D. Vance (que a Time denomina de um dos seus “mais prolíficos attack dogs nas redes sociais”) e por Elon Musk, que a mesma revista estima que tenha gasto “quase 290 milhões de dólares em 2024 para ajudar a eleger Donald Trump e outros candidatos republicanos”, o actual presidente americano prossegue com afinco o abastardamento do sonho americano e o ataque sem tréguas à liberdade, em nome de uma noção de patriotismo  e de valores conservadores que contrariam a essência da nação.

 

Antevendo o pior, Jeffrey Goldberg, o editor da The Atlantic, escreveu na edição de Janeiro/Fevereiro de 2024, numa peça intitulada “Um aviso”, que “o Partido Republicano se tinha hipotecado a um demagogo antidemocrático, alguém desprovido de decência”. No mesmo número da revista, David Frum notou que “o desejo político supremo de Trump sempre fora empunhar tanto a lei como a violência institucional como armas pessoais de poder”. Não é difícil concordar com ele. A liberdade e o Estado de direito na América estão à mercê de um perigoso populista narcisista. E com elas a segurança e a paz no mundo. Como sintetiza António Araújo hoje no Público, do que se trata é de uma “ditadura in progress e de um homem ridículo e incompetente, mas sobretudo mafioso e muito perigoso”.

 

Imagem: Daniel Torok / Wikimedia Commons

CHAMPANHE? COCAÍNA? NÃO, APENAS O TEU ROSTO FABULOSO

Abril 19, 2025

J.J. Faria Santos

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Era uma vez uma pessoa cuja história era demasiado triste para ser contada, porque praticamente tudo a deixava indiferente, serva de uma apatia a caminho da modorra. O milagre da excepção ocorria, porém, quando, comprazendo-se num passeio tranquilo destinado a combater o aborrecimento que a consumia, se via subitamente revigorada e encantada pela aparição de um rosto fabuloso.

 

Bebidas espirituosas não lhe alteravam a consciência, porque o álcool não lhe despertava emoções intensas. E a cocaína não a levava a visitar o país da euforia, visto que estava certa de que se aspirasse umas gramas se sentiria terrivelmente entediada. Conformada, admitia repetidamente, com mais deleite que incompreensão, a excitação pela visão do rosto fabuloso de alguém de quem não esperava reciprocidade.

 

Era uma vez uma pessoa que confessava que a beleza é um estimulante como nenhum outro, viciante e arrebatador, que causa euforia e prejudica o discernimento. Mas quem lhe resiste? Mesmo que saibamos que a ressaca virá, o futuro, como o amanhã, como diz outra canção, é sempre longe demais.

 

A história demasiado triste para ser contada foi cantada por inúmeros intérpretes. Sou suspeito e nada imparcial, mas a versão de Ella Fitzgerald parece-me insuperável. I Get a Kick Out of You foi escrita por um Cole Porter inspirado, capaz de fazer rimar “quiet spree” com “old ennui”. E que, quando o musical da Broadway Anything Goes foi transposto para o cinema, para contornar a censura, alterou “Some get a kick from cocaine” para “Some like the perfume from Spain”.

 

Fotos: Cole Porter e Ella Fitzgerald (Wikimedia Commons)

IRS: O CASO DO REEMBOLSO DESAPARECIDO (FAQS)

Abril 12, 2025

J.J. Faria Santos

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Houve ou não um desagravamento do IRS para os rendimentos de 2024?

Claro que sim. O Governo, inaugurando um padrão de falta de transparência e de propaganda sem pudores de rigor, começou por anunciar um corte de 1500 milhões de euros. Mais tarde o ministro da Finanças foi forçado a clarificar que este valor incluía uma redução de 1327 milhões já deliberada pelo executivo de António Costa. Posteriormente o Governo de Montenegro recalculou o corte de Costa para os 1 160 milhões e propôs um alívio adicional de 340 milhões. Como o PS discordava da distribuição do desagravamento pelos diversos escalões, apresentou a sua própria proposta, que viria a ser aprovada, representando um custo fiscal de 450 milhões. Ou seja, o desagravamento total de 1610 milhões de euros corresponde ao proposto pelo PS.

 

Mas se houve uma baixa no IRS, por que motivo os reembolsos são menores e há contribuintes a ter de pagar imposto além do que já retiveram?

Como as retenções na fonte são um adiantamento mensal por conta do imposto a liquidar na sequência da apresentação da declaração de IRS, a forma mais fácil de determinar se se paga mais ou menos IRS é comparar na demonstração de liquidação de IRS/simulação o valor inscrito na linha colecta líquida do ano corrente com o do ano transacto. É a diferença, positiva ou negativa, entre a colecta líquida e as retenções na fonte que determina se há reembolso, pagamento adicional ou até mesmo nenhum valor a regularizar. Portanto, quem reteve menos fica sujeito a um reembolso menor ou até a um pagamento.

 

E se tiver havido uma disparidade significativa no rendimento de um ano para o outro, como posso saber se houve ou não um desagravamento efectivo?

Pode sempre comparar a taxa efectiva de tributação, que se determina dividindo a colecta líquida pelo rendimento colectável.

 

Faz sentido preparar tabelas que reduzem as retenções para no final o reembolso ser diminuto e em muitos casos o contribuinte ter de pagar?

A situação ideal seria a de que após a apresentação da declaração de IRS o declarante não tivesse nada a pagar ou a receber. Como tal não é muito fácil de aplicar de forma universal, tendo em conta, nomeadamente, os diferentes tipos de rendimento e, sobretudo, as deduções à colecta que variam de contribuinte  para  contribuinte, eu diria que o adequado será a elaboração de tabelas de retenção conservadoras que privilegiem uma eventual retenção em excesso em alternativa a retenções escassas que possam dar origem a pagamentos significativos.

 

O Governo fez mal em ter mexido nas tabelas de retenção da forma como o fez?

O Governo fez questão de que as pessoas sentissem o desagravamento fiscal no rendimento disponível no final de cada mês, ou seja, menos imposto retido e mais ordenado líquido a receber. Preparou, inclusivamente, tabelas de retenção especiais para dois meses (Setembro e Outubro) de forma a gerar um efeito retroactivo de alívio fiscal. A retenção praticada nestes dois meses, bastante reduzida ou até inexistente no caso dos rendimentos mais baixos, acabaria por gerar alguma dificuldade às entidades empregadoras para explicar por que motivo a retenção baixava drasticamente nestes dois meses e tornava a subir em Novembro, ainda que para valores inferiores a Agosto.

Na altura a Deco já alertava que o efeito de diminuição do valor dos reembolsos e para casos em que haveria pagamento. Esta semana, ao jornal Expresso, Miguel St.Aubyn, professor catedrático de Economia no ISEG, declarou que caso “contribuintes de baixo rendimento” tenham de pagar IRS com a entrega da declaração modelo 3, “estaremos perante um sobreajustamento. Teria sido preferível um ajustamento mais gradual das tabelas de retenção”.

 

Os cálculos políticos ter-se-ão sobreposto à prudência técnica?

É altamente provável. O que poderá ter levado o Governo a valorizar o “rendimento disponível para as famílias” ao longo do ano de 2024, e a desvalorizar o impacto num orçamento familiar sob pressão, e sem elasticidade para suportar gastos inesperados, de um pagamento de IRS em 2025 da ordem das centenas de euros ou até de milhares. Não terá estado ausente do espírito dos governantes a hipótese de tirar dividendos políticos do efeito na liquidez das famílias de um “sobreajustamento” cujo efeito mais notório poderia coincidir com eleições antecipadas motivadas pelo chumbo do orçamento. Curiosamente, em Julho, ainda antes de Marcelo ter promulgado a descida adicional proposta pelo PS, o ministro das Finanças temia pela perda de receita. O Presidente da República, numa daquelas notas em que a ironia se cruza com o maquiavelismo, fez questão de notar que “o momento da repercussão nas receitas do Estado está dependente da regulamentação do Governo, através da fixação das retenções na fonte, pelo que podem também só ter impacto no próximo ano orçamental”. Se estava preocupado com a perda de receita, o Governo poderia ter optado por não ter mexido nas tabelas de retenção, que já tinham sido alteradas no início do ano, incorporando a redução significativa do IRS orçamentada por António Costa. De certa forma, Montenegro preferiu o “impacto no próximo ano orçamental”. 2025. Para os contribuintes.

 

Ilustração: Image by storyset on freepik

A PERCEPÇÃO DE QUE MONTENEGRO É O MAIS BEM PREPARADO PARA GOVERNAR

Abril 06, 2025

J.J. Faria Santos

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Sabemos que o incumbente está sempre em vantagem. Vestido o fato de primeiro-ministro, adquire solenidade, alguma pompa e a autoridade do conhecimento a que só os ungidos acedem. Na recente sondagem da Universidade Católica, os portugueses consideram que Luís Montenegro é o mais bem preparado para governar, por comparação com Pedro Nuno Santos. O que alimentará esta percepção?

 

Os inquiridos pelo estudo consideraram o actual primeiro-ministro mais bem preparado para o cargo (46% / 31%), mais competente (44% / 31%) e mais capaz de promover o crescimento económico (50% / 30%). Em que consistirá esta vantagem comparativa?  Na licenciatura em Direito e na pós-graduação em Direito de Protecção de Dados Pessoais, por comparação com a licenciatura em Economia do líder do PS? Na experiência empresarial no ecossistema de Espinho e arredores? E se a economia cresceu em 2024 menos do que em 2023, o que é que o torna mais capaz de promover o crescimento económico? Algum programa miraculoso ainda na incubadora ou a profissão de fé no efeito indutor de crescimento do PIB da redução do IRC? Seguramente que não pesará no julgamento que os portugueses fazem da sua preparação para o cargo a capacidade de gerar consensos ou a experiência no serviço público, casos em que, respectivamente, as pastas de secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e de ministro das Infra-estruturas e da Habitação conferiram a Pedro Nuno Santos tarimba e perspectiva.

 

O primeiro-ministro e o líder do PS surgem empatados no item da capacidade para combater a pobreza (36%), o que pode ser resultado do capital adquirido pelos socialistas, fruto da sua acção governativa. O esforço da AD para reforçar os rendimentos dos reformados (numa dimensão inferior à dos governos socialistas anteriores) e alargar os beneficiários do CSI pode ter sido insuficiente. E se a vantagem que Montenegro tem na capacidade para resolver os problemas da habitação (42% / 31%), não obstante não se terem verificado melhorias significativas, pode ser interpretado como uma censura ao desempenho ministerial de Pedro Nuno Santos, a crença no talento de Montenegro para resolver os problemas da saúde (39% / 33%) é quase do domínio do sobrenatural, dado o desempenho desastroso da ministra.

 

Uma nota final para destacar que os inquiridos na sondagem consideraram o primeiro-ministro mais honesto (35% / 32%) e mais digno de confiança (40% / 34%) do que o seu adversário socialista. É importante referir que, por comparação com o estudo anterior de Fevereiro de 2024, houve uma quebra acentuada na dimensão da honestidade (vantagem reduzida de 13 pontos percentuais para apenas 3) e uma erosão bastante significativa da confiança (vantagem de 11 pontos percentuais reduzida para 6).Tendo em conta que 60%  dos entrevistados consideraram que Montenegro deveria ter encerrado a sua empresa familiar, que  69%  foram da opinião de que os seus esclarecimentos foram insuficientes e que 46% defenderam que teria sido preferível que ele se tivesse demitido (ocorrendo a nomeação de outro primeiro-ministro da área do PSD), é natural que tenham sido afectadas a confiança e a percepção da honestidade do primeiro-ministro. É compreensível que a confiança seja corroída pela percepção de que um primeiro-ministro esquivo e sinuoso nas suas explicações prefira faltar a uma cimeira europeia para jogar golfe com um amigo, cuja empresa, por coincidência, contribui significativamente para os lucros da Spinumviva,  empresa familiar para todo o serviço.

 

Ninguém sabe como evoluirão estas percepções até ao dia das eleições. Se prevalecerá a ideia de colar o rótulo de radical e de impulsivo a Pedro Nuno Santos. E se Montenegro será premiado pelo seu estilo comunicacional altamente controlado e avarento, como se a escassez da palavra alimentasse a imagem do fazedor (ou doer como diria Passos Coelho), que só não parece radicalmente ascético porque ele permite que o esgar de um sorriso assente nos seus lábios. Pode ser que o homem que Miguel Poiares Maduro disse que “transforma o escrutínio numa ofensa” vença cavalgando a vitimização, e a eventual vontade do eleitorado de que a alternância tenha mais tempo para mostrar o que vale. Ou não vale.

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