AS PERNAS DOS CAMARADAS ATÉ TREMEM!
Janeiro 25, 2025
J.J. Faria Santos
De uma assentada, Pedro Nuno Santos conseguiu desagradar à ala direita e à ala esquerda do seu partido, enfurecer o costismo e receber o beneplácito dos não-alinhados de quadrantes ideológicos opostos: Ana Gomes e Francisco Assis. Os movimentos de ruptura costumam ter este efeito. Só que a entrevista do líder do PS ao semanário do regime não pretendia ter esse efeito, antes almejava fazer um reset à política de acolhimento dos imigrantes, ao mesmo tempo que apostava na moderação e no sentido de Estado ao sugerir a negociação com o Governo da reforma da Justiça, sem perder o foco na conquista do poder, alvitrando que os Estados Gerais seriam compatíveis com eleições antecipadas.
Como notou Eduardo Cabrita na Sic Notícias, o líder do PS colocou a ênfase na integração dos imigrantes, por oposição ao Governo que, explicita ou implicitamente, insiste em associar imigração a insegurança. Criticou a proximidade da linguagem do executivo à da extrema-direita, acusou-o de instrumentalizar as forças de segurança “sistematicamente” e considerou que o fim da manifestação de interesse (que disse ter um “efeito de chamada”) não originou a criação de um “instrumento” que permitisse “dar resposta às situações de imigração ilegal”. A crítica ao mecanismo de manifestação de interesse foi recebida com desagrado por ex-ministros, tendo José Luís Carneiro contestado o “efeito de chamada”, ao contrário de António Vitorino que, entrevistado pelo Público, defende que este “mecanismo mais simplificado explica a subida crescente do número de imigrantes num curto espaço de tempo”, coincidentes com as “dificuldades burocráticas” associadas à extinção do SEF e à “transição para a AIMA”.
Se me parecem perfeitamente sensatas afirmações como “O país não se preparou para a entrada intensa de trabalhadores estrangeiros” e “Não fizemos tudo bem nos últimos anos no que diz respeito à imigração”, já se me afigura que se deveria ter ficado pela afirmação lógica e clara de que os imigrantes devem respeitar escrupulosamente as leis do país. Expressões como “partilhar de um modo de vida” e “respeitar uma cultura” são equívocas e ambíguas. Desde que respeite a lei e não perturbe a convivência social o imigrante não pode ter um “modo de vida” alternativo? E o que é desrespeitar uma cultura? E o contrário não se aplica? Não devemos nós respeitar a cultura de quem vem para cá trabalhar desde que não colida com a lei?
Não posso deixar de verificar que a referência ao “respeito pelas mulheres” sendo axiomática surge como um aproveitamento do ar do tempo, tendo em conta os episódios de violação recentemente noticiados. E talvez não sejam despiciendos para Pedro Nuno Santos os dados da sondagem da Pitagórica que indicavam que 57% dos inquiridos concordavam com operações como a do Martim Moniz, e que metade dos eleitores do PS discordava de que se tratasse de um acto racista. Numa altura em que o director nacional da Polícia Judiciária afirmou peremptoriamente que é a desinformação que gera um sentimento de insegurança, estou certo de que o líder do PS compreende que responder às inquietações dos eleitores passa por uma atitude pedagógica, esclarecedora e fundamentada, e não por alimentar percepções erradas.
Pedro Nuno Santos, ideologicamente ancorado à esquerda, percebe a importância de responder aos anseios do eleitorado flutuante do centro e de não se deixar acantonar na ortodoxia. A entrevista dividiu o seu partido, colocou-o no topo dos altos e baixos do Expresso com direito a editorial elogioso e pode tê-lo coberto com o véu da moderação junto do eleitorado central, mas expô-lo à máquina de propaganda governamental e à acusação de “cambalhota monumental”. A eficácia desta complexa jogada de xadrez com potencial disruptivo só poderá ser avaliada a médio prazo, porventura usando os Estados Gerais para cavalgar uma alternância que seja uma verdadeira alternativa.
Imagem: ps.pt (Fotogaleria)