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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

O EXPRESSO DOS MALDITOS - DRAMA NA REDACÇÃO

Dezembro 28, 2024

J.J. Faria Santos

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Distraídos pela “operação especial de prevenção criminal” no Martim Moniz, pela “operação militar especial na Ucrânia”, pelo “constrangimento” nas urgências ou pelo choque da eleição de Trump, os portugueses podem passar ao lado de um drama pungente que tem potencial para abalar os fundamentos do jornalismo luso. O Expresso elegeu como figura nacional do ano Rúben Amorim e o seu director, João Vieira Pereira, aceitando o “exercício democrático”, considera o veredicto “um erro”. E titulou a sua coluna “Não, não foi Rúben. Foi Montenegro.”

 

Em relação ao sufrágio, Vieira Pereira refere que foi feito “através do sistema mais antigo do mundo, um braço no ar”, o que, diga-se, parece-me pouco consentâneo com a matriz liberal de centro-direita (sejamos generosos) do jornal, e mais próprio de um partido de esquerda caduco e colectivista. Por outro lado, David Dinis revelou que Montenegro ficou em segundo lugar por “apenas um voto”, o que vem sublinhar a velha máxima “por um voto se ganha e por um voto se perde”.

 

Por que razão foi Amorim o escolhido? Um artigo de Pedro Barata destaca que, entre os portugueses, o treinador foi o segundo mais pesquisado no Google, atrás apenas de José Castelo Branco. E um especialista aponta três características da “marca Amorim”: “o ar jovem e moderno”, ter “capacidades de comunicação” comparáveis a um “orador de alto gabarito de gestão” e apresentar-se como alguém “genuíno que se mostra de forma cordial e sedutora”. Convenhamos que nenhuma destas qualidades se acercou de Luís Montenegro, mas terá outras que lhe permitiram ficar apenas a um voto do “líder sedutor e genuíno”.

 

Confrontado com um resultado insólito, Vieira Pereira terá ficado atónito e perplexo, para logo de seguida concluir que “se não devemos alterar o resultado, podemos melhorar o processo”, razão pela qual dá conta do lançamento de “um processo de discussão para alteração das regras de eleição das figuras e acontecimentos do ano”.

 

Até António Costa teria sido “uma escolha no mínimo acertada”, desabafa o director. Pela minha parte, não me custa vislumbrar um efeito perverso de um lobby leonino na eleição de Amorim, de braço dado com um elitismo inato que desdenha o ruralismo. Já a preferência por Gisèle Pelicot, preterindo Donald Trump  como figura internacional, é facilmente explicável pela quadrilha feminista que infesta as redacções por todo o mundo e a que Portugal não é imune, e cuja influência aterroriza incels e machistas tóxicos. Se a democracia morre na escuridão, também pode perecer iluminada por “discussões acesas”. Que o Expresso tenha estado na iminência de ficar refém de adeptos radicais, e em risco de ser contaminado pelo vírus do wokismo, só torna este cri de couer do director do jornal um gesto de resistência merecedor do prémio de jornalista do ano.

 

Imagem:www.expresso.pt

DIVAGAÇÕES ÍNTIMAS SEM INTERESSE ALGUM

Dezembro 22, 2024

J.J. Faria Santos

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O ECG determinou que há algo de anormal no meu coração solitário caçador. Se bem que bata à esquerda, saber que o eixo eléctrico apresenta um “desvio acentuado à esquerda” parece indicar um grau de extremismo que a minha enfadonha moderação não permitiria deduzir. Aliás, o facto de o mesmo exame ter concluído pela existência de um “bloqueio incompleto do ramo direito” prova a minha disponibilidade democrática para ouvir opiniões contrárias.

 

Para afastar a suspeita de que poderia ser um leviano diletante, o músculo esquerdista teve de ser submetido a uma prova de esforço, tarefa não exactamente penosa mas que exige preparação mental para quem, como eu, acha que a preguiça não merece estar incluída nos 7 pecados capitais. Já o ecocardiograma é uma insólita exposição sonora ao bater do coração, que se assemelha ao ruído de um extraterrestre maligno a alimentar-se de vísceras humanas.

 

No final, quando o técnico de radiologia declarou, com uma inaudita brutalidade: “O seu coração não tem nada!”, quase que o dito cujo me caiu aos pés com a insustentável leveza do seu vazio. Preferia que tivesse encontrado uma pedra ou uma substância sem consistência. Ver alguém denunciar numa frase o meu coração devoluto foi um choque.

 

Animado pelo espírito natalício, empenhei-me em ver a coisa por um ângulo mais positivo. Ele pode estar desocupado transitoriamente e nada indica que não esteja disponível para ser preenchido. No fundo, e parafraseando a médica de família acerca das “alterações” no ECG, depois de ponderadas as conclusões dos exames complementares, trata-se de “variantes do normal”. Não podia estar mais confortável com esta conclusão. Ou não fosse eu um espécime ao mesmo tempo íntimo da norma e com uma atracção pelo desvio.

 

Imagem: www.tenor.com/pt

EGOS DESMEDIDOS E APELOS PATRIÓTICOS

Dezembro 15, 2024

J.J. Faria Santos

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Se Luís Montenegro posa como o xerife cá do burgo, uma sua “ajudante” apareceu a disparar de gatilho fácil contra o seu antecessor na Cultura, proclamando que se acabaram “os compadrios, os lobbies e as cunhas”. João Miguel Tavares logo escreveu no Público que “a cultura é uma área de afinidades electivas e de egos desmedidos, em que o compadrio não muda – o que muda são os compadres e as comadres”. Para tornar a coisa mais complexa, Tavares admite que “é possível acumular competência com compadrio” e dá nota positiva à “visão” que Pedro Adão e Silva tinha para o CCB.

 

Visto à distância, não contesto que existam “afinidades electivas” e “egos desmedidos” (veja-se o exemplo ilustrativo de Dalila Martins) que resultem em compadrio (intimidade, favoritismo) no sector da cultura. O que me parece duvidoso é que este sector seja mais permeável a esta prática que, por exemplo, o mundo empresarial. A menos, claro, que laboremos na ingenuidade de supor que nesta esfera tudo se rege pela prevalência da meritocracia, da racionalidade económica e da imaculada impessoalidade.

 

No mundo dos negócios, os “egos desmedidos” que se projectam são os dos campeões nacionais da gestão com carreira internacional, quase sempre ligados à maximização dos lucros das empresas que gerem à custa sobretudo do downsizing (designadamente da redução do número de “colaboradores”) e do corte nos custos em geral. Isto ocorre em simultâneo com a atribuição de  generosos bónus  ao gestor-estrela. Por uma vez, confesso que apreciaria que o estatuto de estrela fosse atribuído a um gestor que fosse criativo na obtenção de novas fontes de receita e na diversificação da oferta, e que apostasse na requalificação dos trabalhadores antes de recorrer a uma prática com efeitos nefastos que, mesmo para os trabalhadores que ficam, se pode traduzir em insegurança e desmotivação.

 

Invariavelmente, o gestor-estrela, em dado momento, promete interromper ou reorientar a sua “carreira internacional” para colocar os seus recursos fenomenais ao serviço de Portugal – é o chamado “apelo patriótico”. Levar a sério estas manifestações de portugalidade implica sempre adoptar a suspensão da descrença que se costuma reservar para a ficção. Pode ser que Carlos Tavares com o seu discurso cuidadosamente calibrado, com os seus elogios à actual equipa de gestão da TAP, com o destaque que concede à necessidade de “encontrar a melhor solução para Portugal”, não esteja apenas a trabalhar para compensar o facto de o seu salário ir “cair brutalmente este ano”. Pode ser, mas tendo a concordar (coisa rara) com o director do Expresso: “No final do dia, quando se trata de negócios, o interesse nacional é o primeiro a ser pisado pela ganância.”

MÁRIO SOARES CONJUGAVA OS VERBOS NO FUTURO

Dezembro 07, 2024

J.J. Faria Santos

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Que escrever, como nomear aquele que parece ter sido destinado à grandeza? Como evocar com justiça e justeza aquele que apenas conhecemos através da mediação de um ecrã ou do testemunho da sua acção pública enquanto cumpridor leal das funções que lhe foram confiadas pelo sufrágio dos portugueses? Para aliviar o fardo de uma tarefa que estará sempre destinada a uma qualquer forma de “inconseguimento”, nada como citar as palavras do objecto da nossa admiração, que com uma certa nonchalance declarou a Maria João Avillez: “Nunca me tomei excessivamente a sério, querida Amiga. Só o suficiente, desde que não fosse incompatível com o sentido de humor. De resto, não estou muito preocupado com o juízo da História.”

 

Mário Soares, cujo centenário do nascimento se assinala, era uma dessas figuras larger than life, que sempre teve para Portugal aquilo que falta aos líderes políticos contemporâneos: um desígnio, um propósito mobilizador que orientava toda a sua acção política, e que passava pela conquista e consolidação da democracia e pela integração europeia. Para tal, não hesitou em fazer rupturas nem renunciou ao consenso, foi implacável para com os adversários sem dispensar a magnanimidade, foi leal para com os correligionários sem dispensar o dissenso. Foi sempre capaz de distinguir o essencial do acessório e de encarar o desfecho de qualquer combate eleitoral como uma celebração da democracia, em que uma vitória não era uma carta branca para uma espécie de totalitarismo do ganhador e uma derrota não significava o opróbrio e a menorização do vencido (que só o era se desistisse de lutar).

 

Amante das artes, bibliófilo com uma “visão literária da vida”, estadista, “curioso e enamorado da vida e das pessoas”, culto e cosmopolita, à vontade entre as peixeiras da Nazaré como nos salões da alta-roda, colérico ou bonacheirão, corajoso e desafiador, erigiu como modo de acção primordial o uso da palavra, de viva voz ou na escrita, desdenhando o calculismo temeroso da gestão do silêncio. Havia no seu modo de fazer política um travo lúdico, que não colidia com o sentido de dever e a responsabilidade, que o afastava do irritante clamor dos que praticavam a arte de governar como se esta fosse um sacrifício a um deus maior, por causa da qual coleccionavam abstinências e recusavam qualquer forma de prazer. E os verbos que definiram as suas acções foram sempre conjugados no futuro. O presente era premente mas insuficiente.

 

Especulando acerca do seu eventual lugar na História, Soares declarou: “Bati-me por aumentar o prestígio de Portugal no Mundo, procurando criar as condições de base no domínio das infra-estruturas e das pessoas, para se poder encarar com alguma tranquilidade o futuro. Em política, nunca busquei satisfazer interesses pessoais. Trabalhei em favor dos meus compatriotas, nomeadamente os mais pobres, os marginalizados, os doentes e os jovens, estes como principal penhor do futuro. Se a História viesse a dizer isto, ficaria muito contente! Que mais poderia desejar?”

 

Citações de Mário Soares retiradas de Soares, o Presidente de Maria João Avillez

Imagem: cpf.org.pt

 

O XERIFE DE UM DOS FAROESTES MAIS SEGUROS DO MUNDO

Dezembro 01, 2024

J.J. Faria Santos

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Em Janeiro de 2023, Luís Montenegro interpelava António Costa, então primeiro-ministro, nos seguintes termos: “Deixe-se de habilidades, de truques, de subterfúgios, de andar a minar a comunicação social com questões laterais, deixe de ter uma máquina a mandar lama para os seus adversários. Governe a favor das pessoas, governe a favor do crescimento da economia e da transformação dos nossos serviços públicos para servirem os nossos cidadãos.” O líder do PSD parece ter interiorizado que o sucesso político de Costa se deveu a uma eficiente máquina de propaganda pelo que chegado ao poder tratou de mimetizá-lo. O apogeu desta “estratégia” foi a comunicação ao país, em horário nobre e com ministros e chefias das forças de segurança em parada, que se revelou um relatório preliminar da Operação Portugal Sempre Seguro (e não, este não é o nome do movimento de apoio à candidatura de António José Seguro à Presidência da República).

 

As reacções foram generalizadamente negativas e até o PSD terá ficado “perplexo”. António Barreto, no Público, chamou-lhe “uma operação quase imoral de propaganda e dissimulação”, protagonizada pelo primeiro-ministro e por um “bouquet de autoridades”. No mesmo jornal, João Miguel Tavares considerou que “o que se passou foi apenas patético”, mas passível de provocar um “dano” assinalável na imagem de Montenegro, porque, explica, “não foi apenas um erro. Foi a revelação de um certo tipo de carácter”. Montenegro decidiu interpretar o papel do xerife no faroeste mais seguro do mundo. Como explicou Samuel L. Jackson no western de Tarantino “Os Oito Odiados”: “O Oeste é o local onde cada um é responsável pela sua própria sorte”.

 

Confesso que sempre encarei com cepticismo aqueles que atribuíam a Luís Montenegro um discurso hábil e sagaz, com a combatividade que a tarimba de ex-líder parlamentar lhe conferira. E a sua prática enquanto primeiro-ministro de gerir o silêncio à la Cavaco à mistura com recusas a responder a perguntas fora do guião temático do dia não me parece particularmente eficaz. E se o escrutínio da comunicação social foi durante largos meses bastante frouxo, o episódio do jornalismo “ofegante” e das perguntas sopradas pelo auricular parece ter marcado o início do fim da lua-de-mel. Em Maio de 2023, Montenegro dirigia-se a António Costa nestes termos: “É afamado em termos de habilidade política, use-a. E convém dizer que ser hábil não é ser habilidoso. Ser hábil é resolver, ser habilidoso é ludibriar. Resolva os assuntos.” O actual primeiro-ministro deveria meditar bem nestas suas palavras, contextualizando-as com o conceito de bumerangue. Se Luís Montenegro está verdadeiramente convencido de que a longevidade enquanto primeiro-ministro de António Costa se deveu a uma máquina de propaganda e à satisfação das clientelas labora num equívoco. Costa venceu eleições porque projectava uma imagem de bom-senso, credibilidade, confiança e segurança. O que manifestamente (ainda?) não é o caso de Montenegro. 

 

Liderando um Governo cujas proclamações estão quase sempre sujeitas a rectificação ou clarificação, contando com o aconselhamento mais ou menos informal da Cunha Vaz & Associados, o primeiro-ministro está determinado a conquistar terreno ao Chega com métodos de duvidoso sucesso, incluindo “usurpar” as funções do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna. Convém é que não esqueça a advertência da Vienna (Joan Crawford) do filme Johnny Guitar: ”Os rapazes que brincam com armas têm de estar preparados para morrer como homens.”

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