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A revista Salus Magazine publicou a 7 de Março uma entrevista a Ana Paula Martins, desafiando-a a definir o perfil do próximo ministro da Saúde. A resposta foi: “alguém que olha para a evidência como uma fonte substantiva de apoio à decisão”, “que não se feche no gabinete”, “que apareça sem ser convidado e que surpreenda, que apoie quem está no terreno”. Em síntese: “um perfil de sabedoria, energia, e resistência”, ou seja, alguém com a perfeita noção do seu campo de acção, das tarefas delegadas nos organismos que superintende, consciente dos constrangimentos do SNS, pronta a colaborar com quem está “no terreno” e a avaliar as situações de forma rigorosa, com base na “evidência”.
3 episódios recentes revelaram que a agora titular do ministério enfrenta severas dificuldades para se encaixar no perfil que definiu. Em relação ao Plano de Contingência do Verão do SNS declarou-se surpreendida por ele ainda não existir e mostrou contrariedade pelo facto de a Direcção-Executiva não o ter preparado, para logo depois se perceber que tal tarefa era incumbência da Direcção-Geral de Saúde, cujo referencial orientador já tinha sido publicado, demonstrando assim desconhecimento em relação ao funcionamento do próprio ministério e leviandade na avaliação das responsabilidades da Direcção-Executiva.
Na Assembleia da República, a ministra declarou enfaticamente que há “lideranças fracas” nos hospitais portugueses. Mesmo que se louve o grau de exigência, para quem pretende a colaboração de quem está no “terreno” talvez fosse avisado analisar primeiro as condições de exercício do cargo em cada instituição (orçamento, número de profissionais disponíveis, tipo de morbilidades, etc.), antes de fazer proclamações genéricas susceptíveis de instalar um clima desestabilizador e potencialmente injusto. Que têm um efeito pernicioso adicional: é que para que a autoridade de quem comanda seja reconhecida pelos subordinados é indispensável que se sustente na lisura dos procedimentos e na clareza das instruções.
Por fim, a ministra socorreu-se dos dados que constam na página 26 do Plano de Emergência da Saúde, repetindo que o número de doentes oncológicos em lista de espera acima do Tempo Máximo de Resposta Garantida (TMPG) era, em Abril deste ano, de 9 374, o que é manifestamente falso. Nesta data o número ascendia a 2 645. Na primeira semana de Junho aguardavam cirurgia 2 341 doentes foram do TMPG. Convém que a “evidência” que “apoia a decisão” seja à prova de bala e imune a lapsos porventura induzidos pelo calor da luta política.
O Plano de Emergência da Saúde tem o subtítulo de Um Plano de Emergência e Transformação. O ex-ministro da pasta, Correia de Campos, disse, em entrevista ao Público, que ele é “um plano de emergência, não estratégico”, que parte das medidas não é nova, mas de “pura continuidade”, e que “com a consideração mítica de que o privado resolve tudo, acaba por ser estratégico nas consequências de destruição do SNS”. Confrontado com a ideia do recurso aos sectores social e privado, depois de esgotados os recursos do SNS, Correia de Campos recorda que “no sector privado mais de 70% dos médicos trabalham também no SNS”.
A ideia que perpassa na comunicação social e entre os profissionais de saúde é a de ausência de resposta e “algum caos”, noticiava o Expresso esta sexta-feira, designadamente referindo-se aos hospitais de Lisboa. A ministra da Saúde foi lesta em projectar uma imagem de autoridade a roçar o autoritarismo. Consciente ou inconscientemente, preteriu o rigor em favor do ataque político ou das suas preferências pessoais. Sente-se a “rainha de Inglaterra” por não poder nomear e exonerar gestores hospitalares (prerrogativa do Direcção-Executiva do SNS). Fernando Araújo, que a ministra tratou de afastar, de acordo com declarações de gestores hospitalares ao Expresso, chegava a “contactar médicos para ‘tapar buracos’”, ou seja, fazia uma “gestão de grande proximidade”. No fundo, encaixava no perfil ministeriável. E isto é uma evidência.