A CRENÇA (REVISTA PELOS PARES)
Maio 26, 2024
J.J. Faria Santos
Um estudo elaborado para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) concluiu que uma redução da taxa efectiva de IRC em 7,5 pontos percentuais faria “aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) em 1,44% no curto prazo (após dois anos) e 1,4% no longo prazo (após dois anos)”. Adicionalmente, fruto deste desagravamento fiscal para as empresas, a remuneração do trabalho cresce “1,79% após dez anos”. Esta conclusão acompanha a tese prevalecente sobre esta matéria: “um efeito positivo da redução da tributação em geral sobre o crescimento económico e, em particular, de determinados impostos mais penalizadores (distorcionários) da actividade económica”, como escreveu Óscar Afonso no Expresso, salvaguardando que “os estudos diferem de várias formas, desde a tributação em causa (imposto em concreto, carga fiscal em geral ou até aumento da despesa pública a financiar por impostos futuros, só para dar alguns exemplos), até às metodologias de análise e técnicas de estimação econométrica, ou ao país ou conjunto de países considerados, pelo que pode haver estudos específicos com resultados noutro sentido, mas que apenas constituem a ‘excepção que confirma a regra’”.
Leigo na matéria, olho para estes dados com o cepticismo de quem já viu verdades económicas absolutas revertidas empiricamente e noções comummente aceites esfumarem-se na névoa dos axiomas passados, ou servirem de pretexto para opções políticas discutíveis. O salário mínimo, por exemplo, já foi a besta negra da competitividade. Durante anos carregou-se na tecla de que os salários não podiam crescer por causa da baixa produtividade, para recentemente se ter concluído que entre 2013 e 2022 a produtividade aumentou 18,7% e os ganhos salariais apenas 10,6%. Também a propósito da descida da taxa de IRC, já se pretendeu garantir que ao induzir um crescimento económico superior esta redução seria capaz de anular a perda de receita. Este estudo é taxativo (pun intended) no desmentido, afirmando que “a despesa inerente à diminuição da receita fiscal por via da redução do IRC é financiada por um aumento do défice, e este défice é pago através de um aumento dos impostos sobre o consumo (IVA)”.
A tese de mestrado de Ana Maria Rêgo Lourinho (2015 – sob a orientação do professor doutor Joaquim Miranda Sarmento), subordinada ao tema “Descida da taxa de IRC e o efeito na competitividade”, testou “a correlação entre a variação da taxa estatutária e efectiva de IRC e a variação do PIB, do desemprego e do investimento”, analisando para tal os países da União Europeia no período de 1990 a 2013. Concluiu que “existe um impacto marginal e muito reduzido da variação da taxa estatutária de IRC no crescimento do PIB”, ao passo que “a redução em 1 p.p. da taxa efectiva leva a um aumento do PIB em 0,5%”. O estudo da FFMS centrou-se na taxa efectiva de IRC, para a formação da qual contribui, para além das derramas e das tributações autónomas, uma miríade de benefícios fiscais com impacto muito significativo.
Como fez questão se sublinhar a OCDE num estudo sobre os impostos e ao crescimento económico, “é necessário enfatizar que os decisores políticos terão de examinar muito cuidadosamente o compromisso (trade-off) entre as propostas que induzem o crescimento e os outros objectivos dos sistemas tributários – particularmente a equidade”. A organização nota, também, que reduzir a taxa de imposto sobre as empresas para um nível substancialmente abaixo da taxa máxima do imposto sobre os rendimentos singulares “pode pôr em risco a integridade do sistema tributário”, levando os contribuintes com maior rendimento a enquadrar os seus rendimentos em estruturas empresariais – algo que nós, em Portugal, poderíamos chamar, com uma dose de humor, de efeito Fernando Santos.
A fact sheet do estudo da FFMS indica que a taxa efectiva média de IRC é de 27,5%, tendo como referência dados da OCDE de 2022. Como este valor me pareceu exagerado, fui verificar a sua origem. O capítulo 7 do estudo refere as duas metodologias principais para apuramento da taxa de imposto efectiva: a técnica forward-looking (que depende de “pressupostos teóricos” e é utilizada pela OCDE) e a técnica backward-looking (“assente exclusivamente em dados contabilísticos das empresas”, mas que pode conduzir a algum enviesamento). Para “contornar as desvantagens” dos dois métodos, o estudo recorreu aos dados públicos da AT para o período entre 2005 e 2019, citando taxas efectivas de 27,4% para as “empresas de maior dimensão” e 25,2% para as empresas de “menor dimensão”. Os dados de 2022 já estão disponíveis e apontam para uma taxa efectiva global de 20,3%, com as empresas com um volume de facturação superior a 250 milhões de euros a suportarem uma taxa de 25,7%, e sobre os dois escalões imediatamente abaixo incidiram taxas de 22,2% (entre 100 milhões e 250 milhões) e 18,1% (entre 50 milhões e 100 milhões).