Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

25 DE ABRIL SEMPRE! MARCELO NUNCA MAIS!

Abril 28, 2024

J.J. Faria Santos

20240428_144944.jpg

A 25 de Abril, diz o insuspeito Pacheco Pereira, o povo saiu à rua para exprimir e combater o “receio sobre a liberdade e a democracia que a actual situação política parece justificar”. Ou seja, confrontado com a “ascensão do Chega” e sem “entusiasmo pela mudança governativa em si”, a esquerda manifestou na rua que estava atenta e vigilante perante os sinais de contra-revolução que uma ofensiva conservadora, por um lado, e populista, pelo outro, parecem encetar.

 

O quinquagésimo aniversário da revolução dos cravos dá-se com um Parlamento fragmentado, com uma direita maioritária à mercê dos humores de um líder radical panfletário, com um primeiro-ministro cujo estilo oscila entre o discurso sinuoso e ambíguo, o silêncio e o voluntarismo sem sustentação, com o principal líder da oposição a tentar conciliar o “common ground” com o combate político incisivo, e com a Justiça em turbulência com uma PGR desacreditada. Houve quem tivesse a ilusão de que o Presidente da República seria o factor agregador, uma garantia de serenidade e bom senso, o que se veio a revelar um enorme erro de julgamento.

 

O episódio com jornalistas estrangeiros parece ter-se inspirado no tradicional jantar com os correspondentes da Casa Branca. Só que, fazendo jus à sua versatilidade, Marcelo não se ficou pelo arremedo de stand-up comedy, avançando pelos terrenos da soap opera, do thriller psicológico e da intriga internacional. Com traços de egomaníaco, um indisfarçável sentido de entitlement e tiques de autoritarismo que a exibição do afecto procura disfarçar, o PR avança incontrolável com um propósito em mente: a recuperação da sua popularidade. “Já estou com quase 60% de aprovação”, frisou no infame jantar.

 

O país é um acessório, a instabilidade um efeito colateral, as dificuldades de adaptação ao novo primeiro-ministro um desafio estimulante. Versado nas artes do jornalismo, para Marcelo o jantar funcionou como uma espécie de explicador. Que ele se possa sentir incompreendido, é apenas uma suave ironia. Ou o pretexto para o controlo de danos, que ele tentou fazer nos dias imediatos, e que incluiu uma flagrante inverdade. Talvez ele seja um crente na máxima de Oscar Wilde: “Nada é verdade, excepto a paixão. O intelecto nada tem de verdadeiro e nunca o teve. É um instrumento com o qual se opera, nada mais.”

ACORDÃO, PORTUGAL!

Abril 21, 2024

J.J. Faria Santos

foto-8-scaled-5.jpg

Em Setembro de 2018, um artigo no Observador citava António Costa a asseverar que Lucília Gago, enquanto procuradora-geral da República, prosseguiria uma “linha de salvaguarda do Estado de direito democrático, do combate à corrupção e da defesa da Justiça igual para todos, sem condescendências ou favoritismos para com ninguém”. 5 anos depois, temendo vir a ser acusada de ter protegido o primeiro-ministro quando se viesse a saber que ele estaria a ser investigado pelo Supremo, a PGR incluiu um funesto parágrafo num comunicado que, objectivamente, acabou por constituir uma “interferência” na separação de poderes, caucionando uma interpretação estapafúrdia das circunstâncias da acção política e administrativa do Estado, colocando sob suspeita permanente o exercício do poder legitimado nas urnas (instituindo uma espécie de presunção de culpabilidade), ao mesmo tempo que unge o poder judicial de um halo de superioridade ética que parece esconder mal uma vontade de usurpação. Objectivamente, para se proteger, a PGR infligiu um grave dano à democracia, para além de ter lesado de forma leviana a reputação de governantes e do próprio país. A “magistrada discreta” que “não gosta de exposição mediática” colocou-se no olho do furacão, falhando ostensivamente num requisito essencial para um magistrado: a prudência.

 

Acerca do envolvimento do ex-primeiro-ministro na chamada Operação Influencer, o recente acordo do Tribunal de Relação de Lisboa é particularmente elucidativo. “Não há uma única conversa ou telefonema mantidos directamente com o Primeiro-Ministro.” E mais: “Era essencial que o Mº. Pº. também tivesse descrito algum comportamento objectivo do Primeiro-Ministro passível de mostrar alguma receptividade ou predisposição para ouvir e acatar o que o seu melhor amigo teria para lhe dizer, fosse em matéria de decisões sobre políticas públicas e medidas legislativas no ambiente, nas energias renováveis, nos objectivos da transição energética e da transição digital, no campus de Data Center promovido pela Start Campus, S.A, no âmbito do Projecto Sines 4.0. ou sobre qualquer outro assunto da governação e tal não aconteceu.” E ainda: “Há, é certo, várias alusões ao Primeiro-Ministro, mas nunca concretizadas, pelo menos, de que haja notícia: não há uma única conversa de entre as várias escutadas e transcritas ou mencionadas no texto do requerimento do Mº. Pº. Mesmo que houvesse, da simples circunstância de políticos e seus eleitores conversarem entre si sobre assuntos do interesse destes e que compete aos primeiros decidir não encerra em si mesma nenhuma ilicitude. E esta é a única ilação que pode legitimamente retirar-se de todos os excertos das conversas mantidas ao telefone acima elencadas...”

 

A fazer fé no que diz o acórdão, o inquérito conduzido pelo MP parece um manual de procedimentos anómalos, ainda que, provavelmente, mais comuns do que o desejável. Como sejam, um destaque desajustado atribuído a “peças jornalísticas”, “o desacerto de técnica jurídica que consiste em misturar factos penalmente relevantes com trabalho jornalístico”, confundindo-os, baralhar “transcrições de conversas com factos, mesmo que só meramente indiciários” ou ainda insistir em tirar ilações “vagas e genéricas” assentes em especulações.

 

A efectiva tentativa de criminalização de actos da governação, que o inquérito intenta, só pode ser resultado de uma ideia apriorística da débil idoneidade de quem nos governa ou de uma trágica incompreensão dos mecanismos de decisão nos assuntos de Estado. Ou, pior ainda, da contaminação do aparelho judicial por um fervor justicialista que dispensa a racionalidade e o bom senso.

 

É por isso mais que justo realçar que neste acórdão o colectivo de juízes tece considerações com um elevado valor pedagógico. Como quando sustentam que “nunca se vislumbra, seja em que conversa telefónica for, (.) alguma forma de pressão ou de ingerência inapropriada na liberdade de actuação e decisão, de Nuno Banza, ou de Nuno Lacasta. Há debate de ideias e opiniões divergentes, há empenho e vontade política de João Galamba em impulsionar todo o processo administrativo necessário à implementação do Data Center e do parque fotovoltaico e há sim disponibilidade do arguido Vítor Escária para ouvir os argumentos da Start Campus, nas pessoas dos seus administradores e do seu representante, respectivamente, dos arguidos Afonso Salema e Rui Oliveira Neves e Diogo Lacerda Machado e de promover contactos com membros do governo”. E acrescentam ainda que das transcrições das escutas é possível vislumbrar a preocupação dos governantes em “evitar esquemas fraudulentos de obtenção de licenças sem que os projectos se concretizem”, bem como a preocupação com “o cumprimento da legalidade”. Não fazem mais do que a sua obrigação, mas que o reconhecimento disso mesmo por um órgão judicial, nos dias de hoje, seja motivo de júbilo, mostra aonde chegou o estado de uma Justiça em rota de colisão com a política.

 

Imagem: trl.mj.pt

ESTADO DE CHOQUE

Abril 14, 2024

J.J. Faria Santos

20240414_135257.jpg

Como um tecido delicado, o alívio do IRS, enfiado no tambor da máquina de spin da AD, encolheu significativamente. O Governo tentou salvar a face fazendo notar que desde o Programa Eleitoral o que está previsto é um corte “face a 2023”. O que o primeiro-ministro afirmou no Parlamento está, portanto, formalmente correcto. O problema são os detalhes, claro.

 

Luís Montenegro comportou-se como uma daquelas figuras que por se acharem demasiado brilhantes ou demasiado ocupadas para conseguirem lidar com a ignorância, a escassez de perspicácia ou a rotunda estultícia dos outros optam pela comodidade do silêncio. Se a generalidade da opinião pública e da opinião publicada, em vez de se cingir escrupulosamente à letra do compromisso, elaborou num equívoco a cavalo do esplendor do conceito de “choque fiscal”, se o semanário de referência do regime escarrapachou em manchete “Montenegro duplica descida do IRS até ao Verão” (e também “proposta é mais do dobro daquela que foi feita por Costa este ano), para quê optar por esclarecer de forma “cristalina”? Se a iliteracia financeira se manifestou, se a superficialidade da análise triunfou, se passou pela cabeça da generalidade dos portugueses que a promessa da AD era de um corte de 1500 milhões de euros em cima do efectuado pelo PS, por que razão seria isto culpa de Montenegro? Por que carga de água haveria o primeiro-ministro de Portugal de falar claro aos cidadãos, cortar cerce equívocos, não deixar margem para dúvidas?

 

Interpelado por deputados da Iniciativa Liberal, que frisaram a exiguidade da baixa no IRS, Montenegro teve oportunidade de clarificar a dimensão da redução e optou pela ambiguidade e pela refutação não sustentada em dados objectivos. Há quem ache que é um problema de comunicação, mas o facto é que este episódio seguiu o padrão do anúncio do aumento do “rendimento mínimo garantido por pensionista” que afinal é só para os beneficiários do CSI. Não se percebe bem a insistência numa retórica no limite da falsidade ou, pelo menos, a persistência numa formulação fechada, que se abstém de forma obstinada de clarificar sem delongas. A alternativa é concluir que a ambiguidade é deliberada.

 

Não deixa de ser irónico que, neste caso, o ataque mais violento tenha vindo da comunicação social, designadamente do jornal e de um grupo de média que nunca esconderam a predilecção por uma orientação editorial que contribuisse para conduzir o PSD ao poder. Se o Expresso fez “perguntas ao gabinete do Ministro das Finanças”, podemos concluir que foi enganado pelas respostas obtidas? É que no mesmo dia em que o semanário anunciava a colossal descida do IRS, o Público noticiava que “não se sabe se a redução de 1500 milhões irá somar-se aos cerca de 1300 milhões já previstos”.

 

No mesmo comunicado em que responsabiliza “alguns actores políticos ou mediáticos” por terem “ficcionado a magnitude” da redução das taxas de IRS, o Governo explicita que o Programa Eleitoral da AD continha a exacta delimitação da medida. De facto, na página 97 consta uma tabela com o “impacto orçamental das principais medidas do Programa da AD”. Para a “isenção de contribuições e IRS sobre prémios de desempenho e [para a] redução das taxas marginais de IRS até ao 8º escalão entre 0,5 e 3 p.p. face a 2023” aponta-se um custo de dois mil milhões de euros. A questão é: então na estimativa do impacto de “medidas da AD” incluem-se medidas do Governo PS?

 

O Governo e o primeiro-ministro empunham as bandeiras da lealdade e do rigor. Terão de se esforçar mais para garantirem essa percepção, porque os factos são equívocos. Uma das opções será, porventura, explorar o potencial propagandístico das prelecções dominicais em canal aberto de Marques Mendes e Paulo Portas. Já percebemos que Paulo Rangel e Hugo Soares formam a tropa de choque, o primeiro mais gongórico e enfatuado, o segundo mais primário e estridente, e que Montenegro, seguindo o modelo Cavaco, vai apostar em gerir silêncios e aproveitar as aparições parlamentares para accionar o modo campanha eleitoral. Veremos se a ficção “Derrubem-me ou deixem-me trabalhar” não será cancelada no fim da primeira temporada.

UM GOVERNO DE MINORIA ABSOLUTA

Abril 07, 2024

J.J. Faria Santos

240402-prmrs-mfl-0326-0266 (3).jpg

A “vitória eleitoral foi difícil, porventura a mais estreita em eleições parlamentares”, e recomenda-se um “diálogo aturado e muito exigente” e evitar criar problemas adicionais, sentenciou o Presidente da República. Já o primeiro-ministro, apesar de garantir, por parte do Governo, “humildade, espírito patriótico e capacidade de diálogo”, optou por um discurso assente na provocação e na semântica cavaquista, sugerindo que se o PS não o deixasse “trabalhar e executar o Programa do Governo” estaria a constituir-se como “bloqueio democrático”. Como se imagina, nada mais adequado para um propósito de humildade e diálogo do que tentar condicionar o seu interlocutor, condenando-o a assinar de cruz um programa que ainda não começou a ser executado e já contém elementos de fraude.

 

De facto, antes das eleições, apesar de admitir que a meta do crescimento económico da AD “era um bocadinho arriscada”, Luís Montenegro assegurava que as contas estavam feitas e que o cenário apresentado não “esgotava o potencial das medidas”, sugerindo que poderia acomodar mais despesa. Depois das eleições, a “teoria dos ‘cofres cheios’ conduz à reivindicação desmedida e descontrolada de despesas insustentáveis”. Por outro lado, a forma como se tem vindo a sugerir que o referido programa terá de se adaptar às novas regras europeias de disciplina orçamental, sobejamente conhecidas na altura, é uma tentativa canhestra de enganar os cidadãos ou uma assombrosa confissão de desatenção ou ignorância. Mas não temamos, dado que o primeiro-ministro já assegurou que as promessas são para cumprir, como se viu, aliás, pela celeridade com que se processou a alteração do logótipo governamental.

 

Luís Montenegro parece apostado em liderar um governo em estilo minoria absoluta, onde o diálogo é brandido como um ultimato e não sugere a negociação, o programa da AD é intocável e a ameaça da demissão a palavra mágica para obter a complacência da oposição. A manobra é arriscadíssima, qual acrobata no trapézio contando com a rede da ala direita do PS, com o parceiro escorregadio da direita radical ou com a influência de Marcelo. Parece escasso para um governo assente numa coligação cujo maior partido tem o mesmo número de deputados do principal partido da oposição, que se debate com um dilema de atracção-repulsa pelo Chega e que se propõe “começar desde já a programar e executar reformas estruturais que mudem o país”. Que o primeiro-ministro queira definir o rumo da sua governação, nada mais legítimo e compreensível; que queira estabelecer as condições da  oposição democrática, se não é um abuso de poder, é um excesso de voluntarismo e uma ilusão.

 

Imagem: Miguel Figueiredo Lopes/Presidência da República

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2012
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2011
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub