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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

AGUSTINA APLICADA À POLÍTICA PORTUGUESA (DEDICATÓRIAS)

Março 31, 2024

J.J. Faria Santos

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A António Costa

“Sabido é que um bom primeiro-ministro é aquele que suporta melhor as culpas do governo, as calamidades do céu e a arbitrariedade da História.”

 

A Marcelo Rebelo de Sousa

“Ele é inimitável e tem em si um sem-número de personagens protegidas pela unidade da pessoa.”

 

A Luís Montenegro

“Parece indeciso, mas é um conciliador de riscos.”

 

A Pedro Nuno Santos

“Convém obedecer em particular, mas ser rebelde em geral.”

 

A André Ventura

“Sempre os povos tomaram o ruído como manifestação de força.”

 

A Rui Rocha

“Iludir um povo é um crime; desiludi-lo é um erro.”

 

A Mariana Mortágua

“Não é possível exigir moderação e virtude onde não houve liberdade de experiência.”

 

A Rui Tavares

“O espectáculo dum homem livre faz estremecer.”

 

A Paulo Raimundo

“Toda a palavra é uma resistência.”

 

A Nuno Melo

“Tem o talento de nomear um inimigo, pois sabe que um inimigo é indispensável a todo aquele que pretende governar.”

 

A Inês de Sousa Real

“Com este gado e sem rafeiro, qualquer dia o lobo tenta-se…”

 

Ao povo português

“A tendência que os portugueses têm para se julgarem vítimas do destino é uma forma de não se renderem nunca à infelicidade.”

 

Dedicatória multiusos

“Era um asno, mas imediatamente se impunha como isso mesmo.”

 

(As “dedicatórias” são minhas e as palavras são, obviamente, da Agustina Bessa-Luís – in Aforismos, Relógio d’Água Editores.)

 

O TRIUNFO DOS DEPLORÁVEIS DE BEM

Março 24, 2024

J.J. Faria Santos

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O povo costumava ser sereno. Agora, graças aos detergentes do Chega, que se propõe “limpar Portugal”, a indignação do povo puro contra a elite corrupta (Cas Mudde dixit) viu-se amplificada para um batalhão de 50 homens, a maior parte a fazer a recruta. A civilidade e a boa-educação costumavam ser activos valorizados, mas agora são vistos como sinónimo de hipocrisia. O povo está cansado, desiludido, em modo de protesto. E o protesto, dizem os branqueadores dos detergentes, tende a ser ruidoso, agressivo q.b. e, cada vez mais, inorgânico. O comportamento da bancada parlamentar do Chega, passado, presente e futuro, assinalará a tomada efectiva do poder pelo povo (isto é, de uma certa visão do povo), um lugar de osmose entre os representados e os representantes.

 

Uma pequena amostra: uma deputada negra, em plena manhã parlamentar, a ser saudada com um “Boa noite, senhora deputada” (um involuntário lapsus linguae, certamente…); imitação dos “grunhidos de um porco” quando uma deputada passa pela bancada dos detergentes (porventura um desconforto ou uma inoportuna obstrução nasal…); uma deputada comparada a um “peixe-balão” (obviamente um estímulo à adopção de um regime alimentar mais saudável…) e outra apelidada de “senil” (uma forma pouco subtil de, digamos, apontar a pouca jovialidade dos argumentos da oponente); apupos e apartes sistemáticos e ruidosos, uma deputada a ser aconselhada a não frequentar o bar, um assessor de um partido político rival ameaçado fisicamente. Estes exemplos citados num artigo da revista Sábado exemplificam o modo de actuação da bancada parlamentar do Chega, que cita um ex-militante a justificar a importância do “máximo ruído possível” na AR, porque “faz toda a diferença na televisão”. Foi contra esta estratégia que Augusto Santos Silva, na qualidade de presidente da Assembleia da República, se insurgiu em defesa do regimento, do decoro, do civismo e da democracia. Mas para os comentadores auto-intitulados “furiosamente anti-socráticos”, como é o caso de João Miguel Tavares (Público – 23/03/2024), “a não eleição de Santos Silva é uma grande vitória da democracia”, visto tratar-se do “homem que fez tudo para manter Sócrates no poder; (…) para suprimir a voz daqueles que se lhe opunham” (?). A vitória do Chega, diz ele, é “o grito do bárbaro” que estava amordaçado, e a derrota de Santos Silva “um justo castigo dos céus”.

 

Esta formulação punitiva e com um travo religioso ajusta-se à retórica de Ventura. Afinal foi ele que escreveu nas redes sociais: “Deus confiou-me a difícil mas honrosa missão de transformar Portugal”. Esqueçam a possibilidade de blasfémia ou de invocação do nome de Deus em vão. Com 49 apóstolos em adoração, André, o Venturoso, promete fazer jus ao lema Deus, pátria, família, trabalho, ruído. Num partido tão amigo da ordem e de penas agravadas, não se estranhe que lá caibam, como escreveu Miguel Carvalho no Público em 25/02/2024, “os que atiram a matar, agridem imigrantes ou assaltaram caixas de esmolas”. É que o deus Ventura é infinitamente misericordioso e este é o tempo dos deploráveis de bem.

MARCELO QUIS, O CHEGA SONHA E O PSD RENASCE?

Março 17, 2024

J.J. Faria Santos

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Marcelo era um homem preocupado, por causa da “maioria requentada”, da execução insuficiente do PRR e da ausência do mirífico reformismo. Está-se mesmo a ver que, agora, com o seu partido no poder (finalmente), com uma vitória “poucochinha” dependente do populista de extrema-direita, com um governo previsivelmente com vocação eleitoralista, orientado para a manutenção do escasso poder, amarrado à promessa de satisfazer todas as corporações, agora sim, é que vamos ter um executivo com ímpeto reformista.

 

Marcelo, o dissolvente politicamente dissoluto, sabia ao que ia. Especialista em ciclos e mini-ciclos, não hesitou em trocar uma estabilidade robusta pela possibilidade de explorar o descontentamento de camadas do eleitorado para catapultar os seus correligionários para o poder, encarando a ascensão dos extremistas como um dano colateral aceitável.

 

Ainda o cadáver do governo cessante não arrefeceu e já os herdeiros putativos se apressam a reclamar os despojos (como disse de forma inesperadamente eloquente o Correio da Manhã: “Cofres cheios à espera de Montenegro”). O cabeça-de-casal ainda não coligiu a declaração de bens nem procedeu à habilitação de herdeiros, mas o responsável pela certidão de óbito, com um notório apego à vida, já se prepara para dar à luz uma nova solução. Como escreveu o semanário oficioso da Presidência da República, o objectivo é “descomprimir o ambiente”.

 

Com um retumbante direita volver, os eleitores escolheram a mudança pouco segura e atingiram o porta-aviões do bipartidarismo, premiando a retórica vazia do populismo. Há quem, na senda da magistratura dos afectos do PR, prometa acarinhar os eleitores do partido da extrema-direita. Respeitar eleitores e eleitos é uma coisa; saudar escolhas assentes no protesto, sem propósito construtivo, e premiar protagonistas da incivilidade e de propostas desprovidas de seriedade e atentatórias da vida em democracia é outra.

 

Em democracia o direito a escolher é sagrado. Tal como deve ser a responsabilidade que é inerente. Se o resultado é o produto das circunstâncias e da oferta disponível, compete aos actores mais votados construir uma solução que respeite a vontade popular. E aos eleitores cabe aceitar, e depois avaliar, o resultado da vontade colectiva expressa nas urnas.

 

Repetidas vezes foi afirmado que os portugueses se teriam arrependido da maioria absoluta concedida aos socialistas em 2022. Não consta, até ao momento (é demasiado cedo, porventura), que haja um sentimento idêntico em relação aos 18% do Chega. Mas Portugal ainda não está transformado na loja do mestre André. A tal onde se pode comprar um pifarito, um reco-reco ou uma sanfona. Sanfona, aliás, tanto pode ser um instrumento musical de cordas como uma pessoa desprezível. Marcelo, de quem se sugeriu ter querido ser o popular que esterilizasse o populismo, escancarou as portas à extrema-direita em nome do regresso ao poder do seu partido. Deve ser a isto que se chama de sentido de Estado.

UMA MULHER SOB INFLUENCER

Março 09, 2024

J.J. Faria Santos

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A Procuradoria-Geral da República vai sofrer uma reforma. Admitamos que não é estrutural. Lucília Gago jubilosa (com grande contentamento) vai-se jubilar (aposentar). Com o seu estilo mais parente do mutismo que da sageza esfíngica, a PGR cessante sai com o rótulo que ela mesmo mandou imprimir de “responsável por coisa nenhuma.”

 

Lucília sente-se “fustigada pelo questionamento sobre a adequação dos meios empregues e sobre os timings das diligências”. Lucília lamenta o ambiente crítico para o qual “destacadas figuras”, também do Ministério Público, contribuem “com estrondo”. Lucília tem uma queda para a ironia involuntária. Como se sabe, o MP é conhecido pela forma discreta como conduz as suas diligências, da qual não são comuns a “notificação” atempada das televisões e da restante imprensa, o aparato da operação ou o recurso a meios de recolha de prova intrusivos e desproporcionados. À PGR deve ter desagradado que um dos seus antecessores tenha feito questão de notar que “os aviões militares não são uma empresa de transportes”. Aliás, os próprios elementos do MP ficaram tão encandeados pelo brilho da operação que até se esqueceram de algumas provas apreendidas na Madeira.

 

A PGR deplora a crítica aos “timings das diligências”. Significa isto que a sua acção não se subordina senão aos imperativos da lei e não se sujeita a cálculos de outra ordem? Não exactamente. Como notou Jorge Lacão em artigo no Público em Dezembro de 2023, a PGR abriu um processo “que tem como alvo o primeiro-ministro, antes mesmo de poder concluir que em relação a ele haja suspeita fundada da prática de crime”, justificou o acto “em nome de um dever de transparência”, denotando uma “visão legalista à margem de uma compreensão mínima do cuidado institucional devido no tratamento de situações susceptíveis de comprometer o normal desempenho do poder político democrático”. Passados quatro meses, como escreve Vital Moreira no blogue Causa Nossa, “Escandalosamente, uma pessoa, prestes a deixar funções de primeiro-ministro (por nomeação de novo Governo), é mantida indefinidamente em suspenso quanto à sua vida pessoal, profissional e política, como refém político do Ministério Público.”

 

Esta semana à revista Visão uma “fonte da PGR” esclareceu as motivações de Lucília Gago. A decisão de abrir um inquérito ao primeiro-ministro terá sido da sua “exclusiva responsabilidade”, com o intuito de “evitar que a acusassem de impedir o apuramento das responsabilidades” de António Costa. Pôr as considerações de ordem pessoal a prevalecer sobre a ponderação entre a missão da Justiça, o exercício do poder político democrático e a preservação do bom nome do primeiro-ministro e da reputação de Portugal não é, seguramente, um atributo para um servidor público. O “conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos”, não a existência de indícios fortes ou de suspeita fundada, foi suficiente para a redacção do parágrafo que, objectivamente, derrubou um governo. Para a PGR só o nome de Deus pode ser invocado em vão.

A SENSAÇÃO E A SENSATA ACÇÃO

Março 03, 2024

J.J. Faria Santos

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Um ex-líder com aura sebastiânica (Passos Coelho) a fazer uma ligação sem fundamento entre imigração e (falta de) segurança; um candidato a deputado pela AD (Paulo Núncio) a sugerir um novo referendo para reverter a despenalização do aborto e a apoiar medidas para limitar o recurso à IVG; um dos celebrados independentes, cabeça-de-lista da AD por Santarém (Eduardo Oliveira e Sousa), com uma linguagem que o aproxima do negacionismo climático, a falar de insegurança nos campos e na possibilidade de os agricultores formarem “milícias armadas”. Eis 3 exemplos de descolagem do discurso de moderação que a AD diz protagonizar. Mesmo que tenha sido uma sucessão inepta de egos reluzentes a saírem do tom, não é de afastar a possibilidade de terem almejado captar votos numa franja extremista. Como escreveu Giuliani da Empoli, “para se conquistar uma maioria, já não é preciso convergir para o centro, mas adicionar os extremos” (in Os Engenheiros do Caos). Terão estes três oradores, na convicção de terem segurado o centro, querido adicionar os extremos, numa altura em que, citando de novo da Empoli, “já não são as nossas opiniões sobre os factos que nos dividem, são os próprios factos”?

 

Na política dos nossos dias, mais do que os factos e os dados empíricos, o que conta são as sensações e as percepções. Assim ocorre também no domínio da análise política e da leitura das sondagens. Se a maior parte dos estudos de opinião acerca das legislativas colocam a AD na liderança, também é certo que se encaixam na definição de empate técnico. O empate técnico, que foi um sucesso na última temporada eleitoral, é agora como um parente indesejado numa família tradicional. Se parece evidente uma certa dinâmica de vitória à direita, resta saber que parte dessa percepção/sensação  assenta na robustez técnica das sondagens e nos méritos da campanha da AD e que parte se deve a um evidente enviesamento da comunicação social, designadamente das televisões privadas ( a este propósito, Ana Drago escreveu um notável artigo no Diário de Notícias).    

 

Limitações da amostra (sub-representação dos mais velhos ou das mulheres, sobrerrepresentação de licenciados) e/ou do método de inquirição podem afectar a qualidade dos dados recolhidos pelas sondagens. A publicada pelo Expresso na passada sexta-feira, que utilizou o método de simulação do voto em urna, coloca o PS a apenas um ponto percentual da coligação de direita, apresenta um número muito elevado de indecisos (18%) e 22% dos inquiridos que já escolheram em quem votar predispostos a alterar essa decisão.

 

No dia 10 de Março, à noite, a percepção e a sensação vão ser substituídas pela sensata acção. A soma das vontades de cada cidadão vai ditar a correlação de forças no Parlamento que ditará o futuro governo de Portugal. Se o eleitor valorizar a conjuntura económico-financeira, a criação de emprego, a valorização dos salários e do poder de compra e a robustez do Estado social votará à esquerda. Se, por outro lado, decidir apostar na descida de impostos, num crescimento económico aditivado pela fé, na liberdade de escolha que pode redundar em iniquidade, na diabolização do Estado e na pura vontade de mudar votará à direita. Ambas as escolhas são legítimas. Convém é perceber que numa Europa em que o espectro da guerra ameaça impor um acréscimo no peso das despesas militares nos orçamentos nacionais, com possível impacto nos gastos sociais, seria trágico que a descida da carga fiscal fosse feita à custa do Estado social e de uma liberdade condicionada.

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