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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

MARCELO IMPOTENTE

Janeiro 28, 2024

J.J. Faria Santos

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Não pode demitir o governo regional da Madeira e não pode dissolver, neste momento, a assembleia legislativa regional, mas a maior confissão de impotência do Presidente resume-se a esta afirmação: “Não vou antecipar cenários. Esta é a realidade que existe. Não posso, por muita imaginação que tenha, estar a construir cenários para além da realidade”. O Marcelo cuja imaginação é incapaz de “construir cenários” é o antiMarcelo. Se lhe falta a grande mais-valia, a da leitura dinâmica da realidade com uma grande componente prospectiva, que lhe resta? A duvidosa lealdade institucional? A simbólica magistratura dos afectos?  A gestão cada vez mais problemática da sua imagem e do seu mandato? Se alguém que passou os seus mandatos a acenar com o poder da dissolução, a interferir em áreas de exclusiva reserva dos governos, a teorizar acerca da robustez da alternativa e a apontar em fugas para os jornais possíveis líderes para o partido da oposição, subitamente se declara petrificado perante uma situação com paralelos evidentes com a que conduziu à convocação de eleições antecipadas no continente, algo vai mal no reino de Belém.

 

Ou talvez não e tudo não passe de um recurso tosco ao formalismo dos procedimentos para evitar tomar uma decisão, ou um projecto de decisão, firme, imediata e clarificadora. O Presidente dos gestos simbólicos ou enigmáticos, da expedição ao padrão dos Távoras à língua afiada afinfada ao gelado, apareceu tolhido, condicionado pelas circunstâncias. Como é evidente, tudo parece demasiado conveniente para justificar a sua aparente inacção. Este duplo padrão de comportamento confere com o carácter sinuoso do seu cadastro político-partidário, no qual alusões de correligionários e adversários a deslealdades e traições são relativamente comuns.

 

Admito que a culpa seja também um pouco da Madeira, que é um jardim luxuriante com algumas ervas daninhas. E que goza de algumas prerrogativas excêntricas. Como a que leva a que gente preocupada com 8 anos de governo socialista no continente acene desesperadamente com o risco de mexicanização do regime enquanto permanece serena perante quase cinco décadas de poder absoluto do PSD na Madeira. Ou a que conduz a que distintos tribunos denunciem no Parlamento a asfixia democrática enquanto se mostram incapazes de condenar as evidentes tentativas de controlar e condicionar a comunicação social no arquipélago.

 

E já que aludi a jardins e ervas daninhas, permitam-me que termine com um apontamento floral, citando Mário Soares em entrevista a Maria João Avillez,  sobre Marcelo (de quem a jornalista diz ser “excelente analista, excelente fonte”, sem se deter sobre a questão da informação ser potável ou não). Disse Soares : ”As análises que faz poderão ser brilhantes ou divertidas – como as notas que dava aos outros políticos, quando os avaliava… - mas não têm consistência, nem credibilidade. São como as “rosas de Malherbes”: perdem o viço e vivem apenas o breve espaço de uma manhã…”

 

Imagem: Philippe Halsman (Wikimedia commons)

HAJA SAÚDE: A CULPA É DO SNS

Janeiro 21, 2024

J.J. Faria Santos

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Os seguros de saúde deverão aumentar cerca de 10% em 2024. A culpa é do  SNS. E da inflação. Os portugueses com este tipo de seguro, imagine-se o desplante, passaram a utilizá-lo em mais consultas e exames, alegadamente por causa da sobrecarga do serviço público de saúde. Em vez de se limitarem a pagar os prémios dos seguros, os portugueses passaram a utilizar mais intensamente os serviços que estes cobrem. Os custos das seguradoras cresceram por causa deste “aumento brutal da frequência”, nas palavras do líder da Associação Portuguesa de Seguradores ao Jornal Económico. E o CEO da Tranquilidade disse ao Expresso que “as seguradoras não estão a ganhar dinheiro, estão a perder”. Já não se pode confiar na frugalidade dos portugueses, que estão a dar cabo do negócio das seguradoras.

 

Uma outra reportagem do Expresso, editada na semana passada, dava conta da afluência muito elevada às urgências dos hospitais privados, com a quase duplicação de atendimentos diários, dez horas de espera e até fecho temporário dos serviços. A culpa? É do SNS. Como explicou ao jornal um especialista em medicina interna da CUF Sintra: “Estamos a viver com a incapacidade do SNS e a ser assoberbados por uma avalancha de pessoas”. Os particulares pagam em média, incluindo os exames, cerca de 400 ou 500 euros. Em caso de doença grave, que implique internamento, detalha o Expresso, mesmo com seguro é necessário pagar uma franquia que pode variar entre 1500 e 3500 euros, e para os particulares o valor oscila entre 2500 e 7500 euros. Um “clínico de um privado” refere que 70% dos particulares que têm de ficar internado pedem para ir para o SNS. O que é uma maçada, depreende-se, porque não só se perde a receita que adviria do tratamento como, nos casos graves, o doente tem de ser acompanhado ao “internamento dos hospitais públicos”, desfalcando ainda mais o atendimento do privado.

 

Do ponto de vista dos operadores privados parece ocorrer uma espécie de círculo vicioso. O SNS, entre outros factores desfalcado de profissionais aliciados por melhores condições oferecidas pelos privados, mostra-se incapaz de prestar cuidados em condições ideais e gera tempos de espera desadequados. Por seu lado, os utentes dirigem-se aos privados provocando “assoberbamento”. Tudo indica tratar-se de um caso em que a soberba gera assoberbamento, com danos colaterais nos resultados das seguradoras.

 

Só para o SNS é que a saúde não é um negócio. Para os operadores privados o ideal seria circunscrever as respostas clínicas aos clientes premium, encaminhar tratamentos onerosos para o serviço público e perorar em conferências e seminários acerca da “medicina de excelência” que praticam, ao mesmo tempo que engrandecem o balanço e a demonstração de resultados dos seus relatórios e contas. Que o SNS não “colabore” neste propósito parecer-lhes-á inadmissível. É que, como se pode ler no site da Luz Saúde, o objectivo é “promover a saúde e o bem-estar das populações que servimos (…), com o objetivo de contribuir de forma duradoura para a sustentabilidade do sistema de saúde e para a coesão social.” Deve ser mais a coesão do social. Das e dos socialites.

 

Imagem: Logótipo institucional do SNS

O QUE DIZEM OS COMENTADORES (DE PEDRO NUNO E DO PS)

Janeiro 14, 2024

J.J. Faria Santos

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Presume-se que os comentadores e analistas não vivam numa realidade paralela, mas depois lê-se o que António Barreto escreveu sobre o novo secretário-geral do PS (“Pedro Nuno Santos, depois de obra mal feita e antes mesmo de obra nova, tem o favor da imprensa como raros políticos recentes.”) e ponderamos se ele terá acabado de chegar de Marte. “O favor da imprensa?”, a sério? Todos os dias a ser confrontado com acusações de imaturidade, a ser recordado da tirada de não pagar a dívida, acusado de informalidade na sua acção como ministro, a quererem colar-lhe à força o rótulo de radical, a acharem que deveria ter resolvido a crise da habitação no período de tempo em que foi governante com essa pasta?

 

Apesar de ter escrito no Expresso que “Pedro Nuno disse mais em vinte minutos de discurso sobre políticas alternativas e preocupações de futuro do que o PSD em oito anos”, Miguel Sousa Tavares não o tem em grande conta. Já João Vieira Pereira, director do semanário, acha que a estratégia do líder do PS para as próximas eleições “é demasiado simples, mas muito eficaz”, tendo o gravíssimo inconveniente de mesmo que seja “eleito ao centro, irá governar à esquerda”. Como se infere, para ele, um partido da família da social-democracia e do socialismo democrático governar à esquerda é um contra-senso. Miguel Poiares Maduro, no mesmo jornal, lamenta que Pedro Nuno se preocupe mais com a “necessidade de decidir” do que com o “processo de decisão”. Receia as decisões de “políticos iluminados”, preferindo um enigmático “processo independente de avaliação técnica do mérito” das opções. Aposta talvez na decisão “iluminada” da tecnocracia para moderar os impulsos dos políticos portadores da legitimidade democrática conferida pelo voto?

 

Se passarmos do líder ao partido, a opinião de Amílcar Correia, redactor principal do Público, resume os dois pontos essenciais do argumentário para remover o PS do poder: “os eventuais inconvenientes da mexicanização da política portuguesa” e “a forma trapalhona e indigente como [o PS] desbaratou a confiança do eleitorado”. “Desbaratou a confiança” como? Com a crise na habitação, com as insuficiências do SNS e com a instabilidade no elenco governativo, por exemplo? E que peso terão na decisão de 10 de Março, por exemplo, o crescimento económico acima da média da UE, a gestão da pandemia e das consequências de uma guerra na Europa, o aumento dos rendimentos, a descida do desemprego, os apoios sociais concedidos, a recuperação do poder de compra e o controlo do défice e da dívida?

 

No seu artigo semanal para o Expresso, sob o título Será possível o PS ganhar, Luís Aguiar-Conraria escreveu que a noção de que atravessamos uma “crise generalizada é uma criação mediática”, considerando que quem receia o futuro “prefere manter o Governo que lhe tem garantido o conforto de uma situação financeira estável”. Para ganhar o voto, é necessária uma “oposição competente”, acrescentou. O que nos remete para a questão da mexicanização do regime, cujo risco e responsabilidade tem de ser partilhado, pelo menos, pelos dois partidos hegemónicos do arco do poder.

 

Imagem: Cartoon de Cristina Sampaio para o Público

A.D. (ANNO DOMINI) 2024

Janeiro 07, 2024

J.J. Faria Santos

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O futuro está a chegar. Em fascículos. Entrámos num novo capítulo, em Portugal. Com novos protagonistas em cena, velhos actores estreando novas peças e com o rei dos cenários em grande agitação táctica na poltrona presidencial. Pedro Nuno Santos promete-nos um Portugal inteiro, em comunhão de gerações, um novo ciclo virtuoso, onde à segurança e à estabilidade se juntam o dinamismo e uma visão de futuro. Luís Montenegro aposta no rebranding da AD (e no Anno Domini de 2024, o primeiro ano D.C. – depois de Costa), incumbindo a esta nova troika (Montenegro, Nuno Melo, Gonçalo da Câmara Pereira) a concretização de um governo “ambicioso, reformista, moderado, estável e maioritário”. E na solidão do Palácio de Belém, enquanto avalia os danos na sua popularidade causados pelo “caso gémeas”, Marcelo, o encenador que se deleita com os cenários, aventa a possibilidade de uma “terceira dissolução”. Já lá diz o povo, que “é quem mais ordena”, que não há duas sem três.

 

Um novo player aparece em grande destaque nesta temporada política: o Ministério Público, que é cada vez mais uma concorrente da Agência Lusa. As fugas de informação e de peças processuais têm um tratamento por parte dos órgãos de comunicação social em que nem sempre se torna explícito que veiculam o ponto de vista de uma das partes, e são apresentadas como “a verdade do dia”, sem contraditório. O MP diz que não se deixa condicionar por timings políticos, mas parece “libertar informação” em função deles. A forma como na mesma semana em que sugere que Costa é suspeito de prevaricação no âmbito da Operação Influencer o MP tornou pública a abertura de quatro inquéritos relacionados com a casa de Espinho do líder do PSD sugere uma intenção de equilíbrio de danos pouco virtuoso. A outra hipótese, ainda mais alarmante, era de gerar um pernicioso efeito de acumulação e generalização de suspeitas terríveis para a saúde da democracia. No dia em que a democracia perecer a autonomia e a independência do Ministério Público valerão zero.

 

Imagem: David Revoy https://www.davidrevoy.com

 

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