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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

O EDITOR DE POLÍTICA DA REPÚBLICA PORTUGUESA

Julho 30, 2023

J.J. Faria Santos

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Marcelo Rebelo de Sousa é o editor de política da República Portuguesa. Apõe em cada promulgação de diploma, ou devolução sem promulgação, a sua nota de editor, que não se limita a alinhavar argumentos de carácter jurídico e/ou constitucional. Na verdade, o Presidente debruça-se sobre a matéria de facto, torpedeando a separação de poderes com uma leveza pouco institucional e com o peso de um ressentimento pouco católico que se abeira da vendeta.

 

Mal comparado, é como se o Presidente fosse o editor de um renomado escritor e fizesse questão de assinar um prefácio à obra onde constasse qualquer coisa como isto: trata-se de um romance polifónico de grande fôlego, com uma estrutura narrativa inovadora e uma riqueza estilística assinalável, porém, frustra as expectativas do leitor. A mulher do protagonista morre inesperadamente a meio da história num acidente de viação, contém personagens demasiado esquemáticos e o virtuosismo do autor não impede (ou não se preocupa com) o facto de, por vezes, ser difícil perceber quem é o narrador. No caso do acidente, o autor poderia ter colocado a vítima nos cuidados intensivos ou, porque não, optar pela preservação criogénica do corpo, deixando em aberto uma futura “ressurreição”. Não se deve encerrar, para sempre, o processo que no fundo é viver.

 

Não cessa de me causar espanto que destacados socialistas se tenham entusiasmado com o primeiro mandato de Marcelo. Que António Costa, com o seu agudo pragmatismo, tenha optado por apoiar a reeleição é compreensível. Extrapolar a partir daí um cenário de cooperação sem mácula, sobretudo depois de Marcelo ter sido desagradavelmente surpreendido com uma maioria absoluta, é de uma ingenuidade estratosférica, ainda para mais sopesando o caráter sinuoso do pensamento e da práxis marcelista. A carreira política de Marcelo é, na melhor das hipóteses, uma sucessão de jogadas lúdicas, ora inconsequentes ora de impacto passageiro e, na pior das hipóteses, uma miscelânea de irrequietude, disrupção e deslealdade. A presidência não é a cereja no topo do bolo porque não existe bolo. Mas como career move não deixa de ser notável.

 

Pacheco Pereira diz que ele está a enveredar por “um caminho perigoso”, que está a “contragovernar”, numa acção em que a hostilidade declarada se aproxima da vingança, com o intuito final de levar Costa a demitir-se; João Miguel Tavares diz que ele “estica os seus poderes constitucionais”; Vital Moreira acusa-o de “instrumentalizar o Conselho de Estado”, fazendo notar que “o Governo só responde politicamente perante o parlamento, não perante o PR, muito menos perante o seu órgão consultivo.”  Criticado à esquerda e à direita, Marcelo está onde sempre quis estar: nos braços do povo e da popularidade, preenchendo as noites brancas com a leitura fina dos estudos de opinião, cofiando o queixo imberbe em frente ao seu reflexo e indagando: espelho meu, existe alguém mais popular do que eu?

 

Imagem: presidencia.pt

CONSELHO DE ESTADO INTERRUPTUS

Julho 22, 2023

J.J. Faria Santos

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“É um Conselho de Estado para chatear o Governo”, declarou ao Expresso, em off, um conselheiro. Com este ponto único na ordem dos trabalhos, o Conselho de Estado convocado por um Presidente quiçá aditivado com fortimel não ofereceu conclusão robusta nem debate viril. Ao que parece, o primeiro-ministro teve de sair mais cedo para apanhar o avião para a Nova Zelândia e não fez qualquer intervenção, o que terá levado a que o Presidente prescindisse de falar no final da reunião. Marcelo terá sugerido que o debate prossiga em Setembro, razão pela qual é legítimo pressupor estarmos, formalmente, perante um Conselho de Estado interruptus.

 

Devo advertir os críticos da forma torrencial como Marcelo dispõe do uso da palavra que não se poderá depreender que, a partir de agora, sempre que o PM se abstiver de falar, o PR seguirá o exemplo. A política tem horror ao vazio e o vazio tem horror a Marcelo, e este ainda não descobriu outra forma de destilar o seu veneno em doses não letais senão através do seu prolixo verbo. E ainda bem. Doutra forma, veríamos em breve a imprensa de referência a clamar que Costa calara Marcelo.

 

Consta que a vedeta da reunião foi o barão do Norte Miguel Cadilhe, que esteve cerca de uma hora a demonstrar como os números positivos da economia podem ser enganadores. Seria de esperar que o douto economista não precisasse de tanto tempo para denunciar o ludíbrio, mas, enfim, nem toda a gente tem o talento para a síntese e a clareza do comentador “independente”- conselheiro Marques Mendes.

 

O Conselho de Estado interrompido não é um método aconselhável para o controlo da conflitualidade institucional. Mas também não é esse o objectivo da vigilância reforçada do Presidente ao que já chamou de “maioria requentada” (num exemplo de “elegância” discursiva). Marcelo deseja que a conjugação do descontentamento popular com a afirmação da oposição lhe possibilite a convocação de eleições antecipadas no rescaldo das eleições europeias. Se não é certo que as duas condições se verifiquem, um outra Costa, Ricardo Costa, aponta no Expresso um argumento que estraga o cenário: “A fé nas europeias não passa de uma candeia que tremeluz em 2024. Uma maioria absoluta não cai em eleições com abstenção de 69% de eleitores.”

 

Imagem: Miguel A. Lopes/Lusa

JUSTIÇA CEGA COM CÃO-GUIA

Julho 16, 2023

J.J. Faria Santos

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Da ironia provocatória à varanda, enquanto 10 polícias lhe vasculhavam a casa, até à desassombrada e corajosa entrevista à SIC em que acusou o Ministério Público de estar a “destruir a democracia”, Rui Rio foi o protagonista da semana. Assumiu-se como uma espécie de político sem medo – “Vão descobrir tudo o que roubei. Estou cheio de medo”, gracejou.

 

O ex-líder do PSD é uma figura controversa. Num perfil que traçou dele para o Público em Janeiro de 2018 Manuel Carvalho escreveu: “No homem comum que diz gostar de ser coexiste uma ambição que, em conjunto, o tornam ao mesmo tempo temível e frágil, inspirador e banal, visionário e provinciano, solidário e autocrata, austero e demagogo, afável e feroz”. E notando a sua propensão para “separar as águas” e “fugir ao politicamente correcto”, Carvalho destacava a “sua imagem de político impoluto e insensível aos interesses”.

 

Rui Rio é um crítico de longa data do sistema judicial. Em Abril de 2021 afirmou: “As constantes violações do segredo de justiça durante a fase de investigação e a intoxicação da opinião pública com todo o tipo de histórias – falsas ou verdadeiras – é um caminho que a Justiça, e em particular muitos agentes do Ministério Público e dos órgãos de polícia criminal, decidiram seguir (…), triturando na praça pública culpados e inocentes e, acima de tudo, triturando-se a Justiça a si própria, e descredibilizando-se de forma dramática à luz dos princípios de um Estado de direito democrático.”

 

A colaboração, para não dizer conluio, entre o Ministério Público e a comunicação social esteve bem à vista com a busca ao apartamento de Rui Rio a ser objecto de directo televisivo, propiciando o one-man show do visado, como que apanhado numa peça de teatro do absurdo. Estranha-se que uma instituição que passa a vida, porventura com razão, a queixar-se da falta de meios, tenha mobilizado tantos inspectores para buscas num caso que está sob inquérito pelo menos desde 2020, e se reporta a uma prática corrente e generalizada, cuja fronteira entre a legalidade e a ilegalidade, simplificando, pode residir no facto de se considerar ou não que “os órgãos do Parlamento são órgãos do partido” e se a “subvenção” pode ser utilizada  para actividades “fora de tarefas meramente parlamentares" (citando Marcelo Rebelo de Sousa).

 

Na sempre tensa relação entre o sistema judicial e o poder político invocam-se a suspeita do condicionamento e a acusação de corporativismo, o racionamento de meios e o receio do uso de quaisquer meios para fins inconfessáveis, numa espécie de jogo da corda em que, na falta de equilíbrio, o resultado será sempre a politização da justiça ou o triunfo do justicialismo. No ponto que que estamos tendo a concordar com Rui Rio, figura pela qual não tenho especial simpatia, no ponto em que ele afirma que “quando o Ministério Público dá a entender que são todos corruptos, é a democracia que estão a atacar”. Ou, como sintetiza Pacheco Pereira no seu artigo de ontem no Público: “Os meios mobilizados, cem inspectores e um dia de buscas, com total e desejada exposição pública, apontam claramente para mais uma tentativa justicialista de ilegalizar a política, como se fosse um lugar de crime”.

 

Acredito num regime político assente no poder soberano do voto popular que elege os seus representantes. Abomino um sistema judicial disfuncional alimentado pela coligação MP (Ministério Público)-CS (comunicação social) que descamba numa  grotesca justiça popular susceptível de provocar o desmoronamento do edifício democrático. A relação simbiótica MP-CS está a parasitar a democracia.

 

Imagem: poligrafo.sapo.pt

FORTIMEL (COM MOSCATEL) TOMADO, MARCELO DESLIGADO

Julho 09, 2023

J.J. Faria Santos

 

 

Esta semana no reality show O Verdadeiro Presidente de Belém houve um episódio que escapou ao argumentista. Isto de “orquestrar” a realidade tem um risco elevado. O colapso de Marcelo, devido a uma quebra de tensão, não teve, felizmente, o dramatismo do desfalecimento de Madonna, mas, mesmo assim, causou alguma apreensão, com as notícias a darem conta de que ele terá recobrado a consciência passados alguns segundos, para uns, ou cinco minutos, para outros.

 

Se é certo que não assistimos nos ecrãs televisivos à síncope vasovagal, pudemos ver o corpo inanimado a ser transportado em braços, tendo a CNN/TVI tido o cuidado de distorcer a imagem para que não pudéssemos ser surpreendidos com a visão da underwear presidencial ou até de alguma região corporal normalmente ocultada por pudor. (Uma amiga desbocada confidenciou-me que se já lhe vimos as mamas, podíamos perfeitamente ver o rabo.)

 

Recuperada a consciência, o sempre frenético Presidente logo tratou de atender telefonemas, dificultando o trabalho de bombeiras e socorristas e sujeitando-se a um ralhete. Foi a primeira fase da retoma da iniciativa e do controlo da narrativa. Ao final da tarde, o próprio doente, em declarações às televisões, apresentou o boletim clínico, apontou a causa provável para o incidente, revelou estar a ser monitorizado com o Holter e fez o relato comentado das chamadas recebidas. Na versão presidencial, terá sido a mistura de Fortimel (um suplemento alimentar que, para espanto e condenação dos nutricionistas, Marcelo utiliza como substituto de refeição) com moscatel que originou a síncope.

 

Num relato vivo e com a dose habitual de provocação, Marcelo mostrou a sua predileccção pelo humor negro ao ter assegurado ao primeiro-ministro que “ainda não é desta que morro”. E revelou ter recebido também um telefonema de um candidato a candidato a Presidente (o “comentador independente” Marques Mendes?), de cujo nome se esquecera (não é sequela do desmaio) e a quem tratou de desenganar: ainda é cedo para lhe cobiçar o lugar.

 

O médico da Presidência confessa-se incapaz de moderar ou controlar a hiperactividade do Presidente. O primeiro-ministro considera que ele é daquelas “pessoas que ganham energia em movimento”. Marcelo é uma fonte de energia cinética renovável. E recarregável. Marcelo é verde. Roam-se de inveja.

PÉNISTÃO

Julho 02, 2023

J.J. Faria Santos

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Numa altura em que a objectificação do corpo do homem, as ameaças reais ou percepcionadas à condição masculina e um mercado de encontros amorosos altamente competitivo actuam como factores de stress para o macho contemporâneo, não se pode relegar para a categoria dos assuntos da silly season a problemática do aumento peniano. Todos conhecemos inúmeras anedotas acerca deste tema, umas mais brutas e implacáveis (como a da senhora que vê o parceiro fit e musculado referir-se ao seu próprio corpo como dinamite e não resiste a deplorar que o rastilho seja tão pequeno), outras mais descontraídas, que procuram dissociar o desempenho da morfologia (“é pequeno, mas é trabalhador”), sendo que o assunto não podia ser mais sério.

 

A New Yorker, que disponibiliza no seu sítio na Internet o artigo The Perils and Promises of Penis-Enlargement Surgery, eleva a questão a “fenómeno cultural” (e em alguns casos” psiquiátrico”). O artigo, que se centra sobretudo num implante de silicone apelidado de Penuma, acrónimo de Penis New Man, contém uma descrição, digamos, vívida e arrepiante do procedimento cirúrgico e detém-se no número significativo de efeitos indesejados, diametralmente opostos aos pretendidos. Os testemunhos variam entre o tom épico, como o de Steven Wilson (que foi professor de urologia na Universidade do Arkansas), afirmando que “a revolução cosmética do pénis flácido é a ‘última fronteira’ da urologia”, a retórica fulminante do cliente satisfeito que se sente como um “garanhão selvagem” e o lamento lancinante do (im)paciente que “tem zero sensibilidade no pénis”.

 

Felizmente, numa matéria melindrosa, há espaço para o humor. Um procedimento clínico é descrito como “manuseou entre os dedos o escroto, de forma avaliativa, como se fosse uma peça de fruta numa tenda do mercado”. Cita-se um artigo da revista Hustler de 1993 que diz que “o pénis é a antena da alma do homem”. E anuncia-se que Ed Zimmerman, que aplica nos pacientes a injecção HapPenis, viu a sua clientela aumentar 69% depois de aparecer do TikTok como Dick Doc.

 

Em última análise, é provável que John Mulcahy, professor da Universidade do Arizona ouvido pela New Yorker, tenha razão e que a questão do aumento peniano seja “uma coisa mais do balneário do que da cama”, ou seja uma verdadeira “inveja do pénis” do parceiro de ginásio, percepcionado como mais dotado para a arte do sexo, do que propriamente uma forma de suprir um efectivo défice físico que afecte inapelavelmente a performance.

 

Mesmo que a priori o tamanho não importe, não podemos esquecer que o sexo é sobretudo cosa mentale, alimentado por fantasias e estímulos visuais. E se o procedimento estético, cosmético e cirúrgico, é um adquirido da mulher moderna, não podemos negar à partida a motivação mais profunda da psique do homem para conferir ao seu falo a dimensão que a auto-estima exige e merece.

 

Imagem: dailyartmagazine.com

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