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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

IC - INICIATIVA DO COTRIM

Outubro 30, 2022

J.J. Faria Santos

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Diz-se que o mercado prefere a previsibilidade. O mercado eleitoral poderá não funcionar exactamente assim, pelo que Cotrim de Figueiredo anunciou de chofre o seu abandono da liderança da Iniciativa Liberal. A surpresa não terá sido generalizada, dado que um privilegiado beneficiou de inside information e tornou pública a sua candidatura ao cargo na eleição aprazada para Dezembro escassos minutos depois da renúncia à reeleição de Cotrim.

 

Aparentemente, e tendo em conta a justificação do líder demissionário (de que o partido necessita de uma “tónica mais popular”), estará em causa uma redefinição do target da mensagem do partido de forma a optimizar a performance e obter mais dividendos eleitorais. O crescimento para oito deputados será ainda manifestamente insuficiente para as ambições da Iniciativa Liberal e para Cotrim, que se vê refém de uma imagem “elitista”. O que parece vir aí é a modulação de uma mensagem tecnocrática, ostensivamente veiculadora do credo liberal na vertente económica e financeira (onde comparações forçadas, extrapolações abusivas e proclamações sem suporte empírico convivem com a pura demagogia), no sentido de uma abordagem mais diversificada e de cariz popular e/ou populista. O facto de Rui Rocha, o candidato-TGV, apontar a segurança como um dos temas a priorizar, para ir de encontro às “preocupações concretas das pessoas”, indicia a vontade de disputar eleitorado com o Chega. Doutro modo, não faria sentido que um partido liberal de um país com baixos indicadores de criminalidade, e que o Global Peace Index 2022 aponta como o sexto mais seguro do mundo, colocasse a segurança na lista de prioridades.

 

Nos bastidores correm especulações acerca dos planos de Cotrim de Figueiredo. Pretendendo continuar como deputado, almeja chegar à vice-presidência da Assembleia da República? Cabeça de lista às eleições europeias de 2024? Uma eventual candidatura a Belém? O único facto assente é que o “elitista” Cotrim se considera desqualificado para dar uma “tónica popular” a revolução liberal em curso, ou seja, chegar ao povo sem se confundir com o Chega.

 

Imagem: António Cotrim/Lusa (rr.sapo.pt)

O CREPÚSCULO DO SEMIDEUS

Outubro 23, 2022

J.J. Faria Santos

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O que acontece quando, depois de se atingir o cume, se perspectiva no horizonte o inevitável declínio? Será inescapável que a tentação da negação, a tão humana defesa perante o sofrimento ou a incredulidade, funcione como uma cortina diante da realidade? Cristiano Ronaldo ascendeu ao topo do futebol mundial graças ao seu talento, à sua força de vontade, à disciplina e ao alto grau de profissionalismo, e fê-lo de uma forma admirável. No seu percurso (uma verdadeira história de rags to riches), acabou por construir uma persona com um ego desmesurado, com tiques cartoonescos e gestos exibicionistas, toleráveis perante o seu rol de conquistas, troféus e recordes.

 

A batalha pela longevidade da carreira decorre em simultâneo com a preservação da juventude: dieta rigorosa, sestas, sessões de pilates, tratamentos de crioterapia semanais. A sua imagem pública é a de um semideus, exibindo todas as características distintivas da estética masculina corrente, a que se soma um estilo de vida marcada pelo luxo e até pelo excesso, ainda que acompanhado por um espírito solidário para com a família e os amigos e o apoio de causas públicas meritórias. Como fazer a transição do esplendor dos relvados para o trono das bancadas? Se o banco de suplentes é já uma tortura e uma espécie de insulto, como gerir a cronologia do afastamento?

 

O episódio do telemóvel do jovem autista atirado para o chão (pelo qual pediu desculpa) e sobretudo a recusa em entrar em campo no jogo com o Tottenham são sintomas de desassossego e transtorno, e este último constitui um assomo de vedetismo e fere o seu profissionalismo. A grandeza não se mede só pelos títulos individuais ou colectivos conquistados, sendo certo que deslizes comportamentais não poderão, por si só, pôr em causa um palmarés inigualável e um historial quase irrepreensível. Faltará nesta circunstância o conselho avisado de um gestor de carreira. Para quem se empenhou de corpo e alma na gestão de uma ambição, será sempre trágico e doloroso programar a desistência.

 

Imagem: desporto.sapo.pt

O MOMENTO HORRIBILIS DE MARCELO E O MOMENTO TONY BLAIR DE COSTA

Outubro 16, 2022

J.J. Faria Santos

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Pontos comuns à monarquia inglesa e à República Portuguesa? Bom, a rainha inglesa declarou 1992 o seu annus horribilis e a imprensa portuguesa diz que em Outubro de 2022 ocorreu o momento horribilis  de Marcelo. E se Carlos III recebeu Liz Truss entre o desdenhoso e o enfadado (“Back again? Dear oh dear. Anyway,,,”), a maioria dos portugueses, quando assiste à enésima intervenção diária do seu Presidente, deve desabafar: “Outra vez? Que inadiável comunicação informal ao país o Presidente nos impinge agora?”.

 

Passando por cima da questão de saber até que ponto a condição de católico condiciona o desempenho do seu mandato, a verdade é que as suas declarações a desvalorizar a dimensão dos casos de abusos sexuais denunciados em Portugal dentro da Igreja Católica foram lamentáveis. O que se seguiu foi uma manobra pouco hábil de controlo de danos, culminando num relutante pedido de desculpas (centrado mais na susceptibilidade das vítimas do que na insensibilidade ou na irrazoabilidade das suas afirmações), o que levanta a suspeita de que, citando Helena Pereira em artigo no Público, “a total impunidade ou arrogância de quem está há muito tempo no poder, e que o Presidente já criticou a propósito do Governo, se instalou também em Belém”. 

  

Adoptando o modo bravata (o que é capaz de ficar bem ao Comandante Supremo das Forças Armadas), Marcelo asseverou ao Expresso: “Não pensem que me vou fechar no Palácio”. Ninguém o pediu, nem ninguém espera que adira a um voto de silêncio em contexto monástico. E prometeu continuar o seu caminho, “exactamente como sempre foi, sem mudar uma vírgula nos valores, nos princípios, na determinação…”. Já os fins serão mais flexíveis ou mutáveis. A confirmar a sua natureza, diz-nos o Expresso que na quarta-feira à noite foi testar a sua popularidade num trajecto que incluiu Lisboa e Cascais. Parece que os resultados da sondagem PR/Portugália/Santini foram satisfatórios, dado que “o povo ter-se-á mantido afectuoso”.

 

Regressando ao paralelismo entre a monarquia inglesa e a República Portuguesa, Ana Sá Lopes escreveu no Público que há quem tenha visto na vigorosa solidariedade do primeiro-ministro para com o Presidente uma variante por parte de António Costa do “momento Tony Blair no dia da morte da princesa Diana”, ou seja, perante um chefe de Estado debilitado e acossado por uma gaffe monumental, o líder do Governo aparece como referencial de estabilidade e bom senso. Curiosamente, o secretário-geral do PS, em reunião com os deputados do seu partido, explicou aos seus atentos interlocutores que o PS dever ser um “referencial de tranquilidade” e que tal não é compaginável com “andar a correr de um lado para o outro, fazer 30 declarações por dia, e dizer uma coisa num dia e outra noutro”. Ring a bell?

REALIDADE ALTERNATIVA E ALTERNÂNCIA

Outubro 09, 2022

J.J. Faria Santos

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O presidente da câmara de Lisboa fez um discurso de líder da oposição a pedir “audácia” e “vontade de mudança”, enquanto perorava que o que tornava a vida “insuportável” para os portugueses era (A inflação? As taxas de juro dos empréstimos? A escassez habitacional? Os rendimentos baixos?) “o jugo fiscal”. O Presidente da República, escassos meses depois das eleições legislativas e da tomada de posse do Governo, achou oportuno revelar ao país, para surpresa generalizada, que “nada é eterno em democracia” e que o “Presidente tem o poder de dissolver o Parlamento”, num discurso visto à direita, conforme declarações ao Expresso, como “errático” (Miguel Morgado) e “repetitivo e inconsequente” (Diogo Feio). O líder do PSD, reagindo a um discurso presidencial que alertava para os riscos da ascensão da extrema-direita e dos “apelos a regimes autocráticos”, vislumbrou nele um estímulo à “criação de alternativas”, mas sentiu a necessidade de se afastar de uma possível ligação ao Chega, “que não existe, é uma ficção”. Já o primeiro-ministro, com aquele seu ar que combina a estóica paciência de Buda com uma persistente poker face, não resistiu a afirmar que “O sr. Presidente da República deve expressar aquele que é em cada momento o sentimento do país, o sentimento da nação. Nós não falamos. Nós agimos, fazemos, resolvemos.”

 

No entretanto, o país envolveu-se numa discussão académica acerca da noção de conflito de interesses, a cavalo de uma sucessão de notícias onde o sensacionalismo e o sentido de oportunidade jornalística se sobrepuseram à relevância e à consistência. Regressou a clássica dicotomia legalidade/ética, com leituras maximalistas apaixonadas desta última, sem que se tenha tornado evidente a necessidade de uma leitura equilibrada de cada caso, onde acima de tudo se coloque a transparência e o escrutínio. Em última análise, uma visão absolutista do conflito de interesses poderia ferir liberdades e garantias consagradas no plano constitucional.

 

Por fim, ao nível económico-financeiro, prossegue a novela da “folga orçamental”. Parece-me evidente que numa conjuntura de inflação em níveis históricos, uma possível recessão no horizonte e uma guerra na Europa com impactos económicos tremendos, seria aconselhável prudência na gestão das finanças públicas, procurando um equilíbrio difícil entre a prossecução da consolidação orçamental, os estímulos à economia e a salvaguarda do Estado social. Num país cuja dívida pública ronda os 120%, e cujo juro médio de emissão da mesma subiu de 0,6 % em 2021 para 1,3% este ano (e que já pagou 2,754% na última colocação de dívida a 10 anos), falar em “folga orçamental” é um erro de paralaxe. Convinha que no afã de mostrar apego e entusiasmo às inegáveis virtudes da alternância, políticos, jornalistas e comentadores evitassem cair numa realidade alternativa onde a semelhança com a ficção não é pura coincidência.

 

Imagem: Miguel Figueiredo Lopes/Presidência (sol.sapo.pt)

O PACTO DE NÃO-AGRESSÃO E O RACISMO TEMPERAMENTAL

Outubro 02, 2022

J.J. Faria Santos

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Já sabíamos que o líder do Chega tinha sido condenado por ofensas ao direito à honra e ao direito de imagem, numa sentença onde foi reconhecida pelo tribunal da Relação de Lisboa “a vertente discriminatória em função da cor da pele” presente nas declarações ofensivas. Agora foi a vez de um dirigente da Iniciativa Liberal, Jorge Pires, utilizar uma expressão racista num tweet para se referir ao primeiro-ministro. Posteriormente, Jorge Pires apagou o tweet e, em declarações ao Observador, pediu “desculpa a quem se possa ter sentido ofendido” (aparentemente, não especificamente ao directamente ofendido) e justificou-se com o facto de ter uma “personalidade temperamental”. Quanto à IL, desvalorizou o que apelida de “questiúnculas ou excessos individuais nas redes sociais”, embora condene tratamentos discriminatórios. Portanto, desde que o excesso seja “individual” e nas “redes sociais”, há rédea solta para o racismo, e o liberalismo continuará a funcionar, mesmo quando comete uma falta.

 

Se do partido de Ventura já nos habituámos a declarações de teor abertamente discriminatórias, racistas e de teor troglodita, no caso da IL o que sobressaía era a propaganda activa das mais desbragadas (e até desacreditadas) teses económicas ultraliberais e uma alucinada crença na trickle-down economics. Não sei se esta contaminação resultará do alegado pacto de não-agressão entre PSD, IL e Chega que o Nascer do SOL anunciou estar a ser preparado pelas segundas linhas dos partidos. Nas cogitações do jornal, o apoio do PSD à eleição do candidato do Chega a vice-presidente da AR terá sido o primeiro sinal do “conluio”, que poderá ter como momento-chave a eleição de Passos Coelho para a Presidência da República. O que é certo é que José Miguel Júdice já deu a sua bênção à recomposição da direita, declarando ao Nascer do SOL que não vê “nenhuma dificuldade, se o Chega largar temas completamente fraturantes, como a questão dos ciganos e da castração química, e passar a ser um partido inserido no sistema político”. Se virmos bem, ninguém está em melhor posição do que Júdice para ilustrar esta caminhada do extremismo e do ostracismo para a respeitabilidade.

 

Este rassemblement da direita, rasurando tabus em nome do poder, e a sua crescente apologia, tornará inquestionável aquilo que Pacheco Pereira escreveu no Público, e que há muito me parece evidente, ou seja, “que o argumento de que há uma ‘hegemonia cultural da esquerda’ tem uma função vitimizadora, mas é uma completa falsidade”.

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