O INVERNO ESTÁ A CHEGAR
Agosto 28, 2022
J.J. Faria Santos
Com o desemprego registado em mínimos históricos e o país a crescer acima da média da EU, mas com uma taxa variação homóloga da inflação acima dos 9% e uma guerra no coração da Europa de consequências imprevisíveis, ainda bem que temos dirigentes políticos, líderes de opinião e académicos empenhados no debate de ideias, no diagnóstico das situações e na apresentação de soluções, capazes de ver para além da espuma dos dias, isto é, separar o acessório do essencial, o episódio circunstancial da tendência longa. Era bom que assim fosse, mas como muitas vezes sucede, há uma elite (entendida em sentido lato) atolada na malaise, desgostosa com Portugal e com os portugueses, em busca de um desígnio perdido, que se compraz na amálgama de situações de gravidade e importância variável para compor um retrato de um país à beira do descalabro.
Três exemplos. Ricardo Reis, em “depressão pós-férias”, socorre-se das estatísticas da emigração para, no Expresso, interpelar as mais altas figuras da nação nestes termos: “Senhores Presidente e primeiro-ministro, desculpem-me a brutalidade, mas é preciso um abano: as pessoas fogem da vossa liderança e governação ao mesmo ritmo que fugiam da Guerra Colonial”. No mesmo jornal, o seu director (João Vieira Pereira), enumerando uma série de “casos” que envolveram o Governo, lamenta-se: “(…) por muito menos do que isto Marcelo Rebelo de Sousa chumbava ministros. Hoje protege-os. Como chegámos aqui? (…) Não temos hoje um primeiro-ministro. (…) Ninguém sabe que caminho estamos a percorrer ou onde queremos estar daqui a cinco ou dez anos”. António Barreto, na sua coluna no Público, prognostica, ao estilo Guerra dos Tronos, que “vai ser um duro Inverno” (que está a chegar), e sugere uma espécie de comité de sábios (“independentes”, “gente isenta”, “técnicos competentes”, “chamar o que há de melhor em Portugal e no estrangeiro”. E interroga-se: “Não seria a altura de pedir ajuda a quem sabe para tratar daquilo para que este Governo, e outros antes dele, se mostraram incapazes?”
Não há nada de errado numa atitude exigente e crítica face ao desempenho da classe dirigente. Pelo contrário. É de incentivar a proliferação de propostas, análises e estudos, mesmo que corramos o riso das suas conclusões deslizarem para o déjà vu (como é o caso do livro da SEDES). O que se torna cansativo, e eventualmente contraproducente, é esta espécie de transtorno maníaco-depressivo em que os episódios depressivos parecem prevalecer, onde se vislumbra a nação como uma choldra donde apetece fugir e onde só o socorro de iluminados, estrangeiros e estrangeirados, nos pode salvar. Felizmente, com todos os seus defeitos, existe uma classe (pejorativamente apelidada de “os políticos”) que se dedica à resolução dos problemas quotidianos sem desviar o olhar do futuro. Isto enquanto uma elite com falta de comparência (quando era mais necessária) se compraz, a pretexto de uma lucidez sem par, na enumeração das insuficiências e das falhas.
Imagem: Rick Morais (Wikimedia Commons)