Prossegue, envolto em deslumbramento, dividindo-se entre a flash interview, o espectáculo de variedades, a actividade de fonte de Belém e o exercício de sniper supostamente inspirado nos discursos institucionais, o reportório presidencial. O afamado analista, que quando convocou eleições imaginou um período de instabilidade e turbulência políticas (propício ao estender da sua tutela), viu-se confrontado com uma maioria absoluta e recorre agora ao estafado bordão de que esta não pode ser sinónimo de “poder absoluto”. Nem, imagine-se, “ditadura da maioria”. Como o primeiro-ministro já tinha dito o mesmo na noite das eleições (“Uma maioria absoluta não é poder absoluto, não é governar sozinho”), não se pode dizer que se tenha manifestado aqui a celebrada capacidade de antecipação do PR. Tratou-se de um “aviso” requentado para memória futura.
Claro que, está na sua natureza, o PR tinha de marcar a agenda de forma que ele considerasse bombástica. Ao nível do discurso, a subtileza não é o seu forte, porque padece sempre de um défice de impacto na esfera noticiosa. Por isso, para além de um elaborado caderno de encargos que desfiou (a exigir quase a omnipotência do primeiro-ministro para corresponder ao grau elevado de exigência), o Presidente deixou implícito que se Costa abandonasse a legislatura a meio para ir exercer um cargo europeu, convocaria eleições antecipadas. Porquê? Porque “os portugueses deram a maioria absoluta a um partido, mas também a um homem”, e “não será politicamente fácil que esse rosto, essa cara que venceu de forma incontestável e notável as eleições, possa ser substituído por outro a meio do caminho”.
A jogada do mestre da táctica teve grande impacto nos mass media e colheu o aplauso entusiástico dos junkies dos factos políticos, mas arrisca-se a ter um efeito bumerangue. Não só o PR traçou o perfil de um primeiro-ministro, na prática, insubstituível, como viu Costa afastar a hipótese de não cumprir o seu mandato, e colocar uma “fonte próxima” a garantir ao Expresso que o PM “gostou muito de ouvir o Presidente atribuir-lhe uma legitimidade que até agora só o Presidente da República tinha: a de ter sido eleito pessoal e directamente pelos portugueses.” A forma escolhida por Costa para “responder” ao inusitado teor da intervenção presidencial é um portento de ironia: através de uma manchete no Expresso, utilizando a figura da “fonte próxima” e, coincidência ou não, com o requinte acrescido do artigo ser co-assinado por Ângela Silva, o veículo privilegiado dos “recados” presidenciais no semanário em causa.
Fazendo jus à sua veia pedagógica (não que as suas palavras tivessem causado qualquer perplexidade…), o PR tratou depois de dar explicações adicionais. Que podem ser resumidas do seguinte modo: As suas palavras podem ser consideradas um “ultimato”? Não. “O ultimato é do povo, não é meu.” Alguma vez Costa tinha dado qualquer sinal de que poderia optar por um cargo europeu? Não. Então porque escolheu falar sobre isto? “Porque é uma evidência”.
Tecendo considerações acerca de uma intervenção de Marcelo respeitante à formação do governo, António Guerreiro escreveu no Público que se denomina de preterição a figura de retórica “que consiste em fingir que não se quer falar de um assunto, muito embora não se faça outra coisa do que falar dele”, e que esta “figura de linguagem serve o comportamento manhoso, ínvio, que avança sinuosamente”. Acrescentando que esta figura é aquela com que “podemos identificar o nosso Presidente e nos convida a ouvi-lo com precaução”, Guerreiro anota que que a preterição “denuncia um traço de carácter que tem alguma graça e subtileza, mas é como um rosto que avança mascarado”.
Como algumas bebidas e alguns tipos de alimento, Marcelo é para ser consumido moderadamente. E, no que diz respeito a sua performance, quer opte pelo estilo abrangente do Big Show Marcelo quer se refugie na opulência enigmática de A Máscara, apetece reagir com um provérbio popular: cantas bem, mas não me alegras.
Imagem: jn.pt/Lusa