2022
Dezembro 26, 2021
J.J. Faria Santos
Há algo nas celebrações esfuziantes que, a determinada altura, me deixa próximo da indiferença, incapaz de me diluir na pura artificialidade do momento. Não é o que o jovem Eduardo Lourenço chamava de “gosto selvagem pela tristeza”. Trata-se, provavelmente, de uma inoportuna consciência da finitude da festa, de um cansaço pela “obrigação” de estar jubiloso. É por isso que me revejo nestas palavras de Lourenço: “Ao meio da festa quando os candelabros brilham mais intensamente um grito pavoroso, uma sirene uivando do mais escuro e longínquo mar chama-me sem que os outros oiçam e eu abandono o baile como abandonaria a vida. Quem me chama? De onde? Porquê? Para quê?”
Isto não impede que sinta conforto pela alegria dos outros e que me reveja nos seus rituais celebratórios, no seu abandono ao optimismo tão borbulhante quanto o espumante que jorra. Numa época marcada ainda por uma doença que nos vem relembrar a importância das coisas invisíveis, é gratificante ver em acção o vírus da solidariedade e do humanismo. Fazemos o que somos capazes de fazer e até o que não nos julgávamos capazes de fazer. Cumprimos o nosso papel de actores sem guião ao sabor dos humores de um argumentista avesso a narrativas lineares. Não há como não concordar com Eduardo Lourenço: “Quem se olhou a fundo sabe bem que coisa alguma em sua vida, o pior ou o melhor, dependeram totalmente da sua vontade. Colaborámos, bem ou mal, mas fomos excedidos.”
Portanto, no réveillon, quer dancemos fervorosamente ao som do irresistível Cold, Cold Heart, da dupla Elton John/Dua Lipa, quer nos balancemos melancolicamente embalados pelo What Are You Doing New Year´s Eve?, interpretado pelo Harry Connick Jr., façamos a nossa parte nesta comunhão de bondade e contentamento que dá as boas-vindas a 2022, em nome dessa caminhada cujo roteiro vamos descobrindo que é a vida.
(Citações de Eduardo Lourenço: “Quem era Eduardo antes de ser Lourenço”, artigo de Luciana Leiderfarb in Expresso Revista de 18/12/2021)