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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

AS POLÍTICAS DE CLARIDADE E O GUARDA-NOCTURNO SOFISTICADO

Julho 25, 2021

J.J. Faria Santos

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O candidato tem um slogan chamativo: Lisboa sem corrupção. Porquê? Porque ela está na “ordem do dia”. Como se combate? Com “políticas de claridade”, nomeadamente com a “abertura dos dossiers”, porque “muitos dossiers estão fechados e tudo se passa debaixo da mesa”. Quando o jornalista do DN faz notar que no ano passado, na comarca de Lisboa, foram registadas 9 acusações de corrupção, a reacção é lapidar: “Para as que existem, de facto, são muito poucas.”  Instado a avançar dados concretos, o candidato atira, entre o garbo e a inconsciência: “Dir-lhe-ei a seu tempo, quando puder confirmar isso. Não vou estar aqui a levantar uma lebre. A seu tempo saberão.”  Sendo um Chega um partido preocupado com as comunidades migrantes, que propõe o candidato nesta área? “Integração.” E que “medidas concretas”, insiste o jornalista. “As medidas concretas são integração.” Nuno Graciano defende a necessidade de rendas acessíveis nas várias zonas da cidade de Lisboa, mas questionado se sabe como funciona o programa Renda Segura responde prontamente: “Não faço ideia”. Informado de que se trata de uma forma de financiamento parcial das rendas, Graciano prontamente “concorda” com a ideia. E, a propósito, para que não se diga que não as tem, avança com a proposta de uma versão moderna do guarda-nocturno, “mais sofisticado”, para conferir tranquilidade e para “acudir em momentos de perigo”. Questionado acerca da sua proposta de restruturação dos transportes públicos, que enfrenta o obstáculo da Câmara não ter capacidade de intervenção sobre o Metro, Graciano parece o porta-voz de um Chega light: “Só nos podemos dedicar ao diálogo, não é? Única e exclusivamente.

 

A entrevista do candidato do Chega à Câmara de Lisboa ao Diário de Notícias é um compêndio soberbo de lugares-comuns, ignorância, futilidade  e prosápia. Cavalgando um passado de figura pública e gozando do apadrinhamento de Ventura, julga ser capaz de atrair votos prescindido de um programa estruturado e de uma noção elementar de gestão de recursos públicos em favor de banalidades habitualmente reservadas para as mesas do café ou para os bancos dos táxis. Mais tarde ou mais cedo, Graciano e Ventura perceberão que existe um limite para os ganhos eleitorais que a vacuidade e a exploração dos instintos mais primários conseguem alcançar. Mesmo que contem com o beneplácito implícito de guardiões do legado de Sá Carneiro ou com o incentivo expresso de quem lhes reserva o lugar de tropa de choque do assalto ao poder.

 

Imagem: magg.sapo.pt / Instagram

O HOMEM QUE GANHA SEMPRE

Julho 18, 2021

J.J. Faria Santos

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Para Marcelo, é importante a forma como os portugueses percepcionam os factos. Daí a sua preferência pelas explicações pedagógicas e pelas mensagens simples, claras e coerentes. Igualmente relevante é a percepção que os portugueses têm do seu mandato, a popularidade estratosférica e a intocabilidade dos seus pronunciamentos. É por isso que confrontado com a decisão do Tribunal Constitucional de valorizar a norma-travão e declarar inconstitucionais leis promulgadas pelo Presidente, logo teve de declarar o seu júbilo (“Fico muito feliz”), porque “se cumpriu a Constituição” (não por acção dele) e “o que interessava era produzir os efeitos sociais”.

 

O Presidente ganha sempre, ora porque faz tudo para cumprir e fazer cumprir a Constituição, ora porque contribuindo para sabotá-la vê no desfecho de inconstitucionalidade com salvaguarda dos efeitos produzidos a consagração dos seus pontos de vista. À socapa, expediente mais próximo da esperteza (saloia) que da sua lendária inteligência. Como afirma Vital Moreira no blogue Causa Nossa, “no nosso sistema constitucional, quem governa é o Governo e não a AR, nem, muito menos, o PR.” Marcelo espera que os portugueses, por devoção a ele (muitos possuidores dos verdadeiros “santinhos” laicos que são as selfies presidenciais), digam ámen aos seus caprichos e à suas, citando novamente Vital Moreira, interpretações “abstrusas e sem nenhuma consistência”, que redundam em “ficção constitucional”.

 

Imagem: 24.sapo.pt

DA ARTE DA SEDUÇÃO: MANOBRAS DE APROXIMAÇÃO

Julho 17, 2021

J.J. Faria Santos

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Será exagerado dizer que as manobras de sedução se tornaram ainda mais pantanosas com o eclodir do movimento #MeToo e a redefinição dos códigos da masculinidade? Nada que um subversivo sentido de humor não consiga ultrapassar. O cenário é uma churrascada diante do Departamento de Matemática de Princeton. Adrian, um probabilista, prepara-se para abordar Meredith, topóloga, impulsionado pela ingestão de duas cervejas e pela memória do duvidoso elogio que ela lhe atirara um dia, o qual girava à volta de ele ter “um físico à Ryan Gosling, numa versão degradada e um bocado careca”. Tentando manter o equilíbrio, ele abre o jogo:

 

“- Bebi – diz, de chofre.

- Confirmo – responde Meredith, que realmente achou o porte dele muito pouco estável.

- E tresando a cerveja, desculpe.

- Eu também, Adrian, por isso nem dou por nada.”

 

Pouco depois, Meredith, que “desconfia de que ele é brilhante” e que “se fosse incompetente, há muito que teria partido para o mundo financeiro”, embarca numa tirada confessional que incluem lamentos por uma habitação manhosa, uma viatura híbrida avariada e uma relação terminada. Imparável, prossegue:

 

“- (…) já lá vão, deixe-me fazer as contas, quatro meses que não faço amor. Estamos no final de Junho? Então, não, seis. Seis meses, e nem sequer foi lá grande coisa. E consigo, Adrian, está tudo bem? A casa, o carro, o sexo?

(…) – Ah… O meu carro não está avariado. Tenho água quente. E…

- Então, porque é que anda sempre com esse ar de cocker triste que se afoga na sua tigela?”

 

No epílogo desta sequência, Meredith manifesta vontade de beber mais uma cerveja, sugerindo Adrian, em alternativa, o consumo de tequila para acelerar o “coma alcoólico”, o que implica entrar no edifício. Diante da porta que permitirá o acesso à tequila, o diálogo atinge o ponto crucial:

 

“ – Sou britânica. Adrian, aviso-o já: se tentar violar-me, olhe que eu deixo e pensarei na rainha.

 - Bebeu de mais, Meredith.

- E você, de menos.”

 

Eis senão quando, já na iminência de ceder às tentações da carne, Adrian se vê forçado a sacar do seu estridente e vibratório smartphone e sai esbaforido. O dever chama, o Estado reclama o monopólio do uso dos seus neurónios. O apelo do desejo é inútil, resta-lhe tentar retomar mais tarde o potencial inexplorado desta cimeira bilateral anglo-americana. Preferencialmente sem tequila, diria eu. Embora Meredith tenha tomado a iniciativa, há que acautelar o consentimento e a consciência, evitando o sempre nebuloso encontro amoroso sob a influência dos vapores alcoólicos. A lição a reter deste epílogo é que não há nada como o sentido de Estado para acabar com a sedução. E ainda dizem que poder é afrodisíaco…

 

(Adrian Miller e Meredith Harper são personagens da obra A Anomalia de Hervé Le Tellier, cujos extractos citados correspondem à edição portuguesa da Editorial Presença, com tradução de Tânia Ganho.)

 

Imagem: Pormenor de foto de Peter Lindbergh (On Fashion Photography)

A DA LADY GAGO É IGUAL À DA JOANA

Julho 11, 2021

J.J. Faria Santos

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A não recondução de Joana Marques Vidal no cargo de Procuradora-Geral da República suscitou “alarme social” na direita, que engoliu com dificuldade o agrément do Presidente da República ao novo rosto da Justiça e profetizou o regresso da impunidade. Agora com as detenções de Joe Berardo (o empresário alavancado com talento para a arte da fuga ao compromisso) e Luís Filipe Vieira (presidente em exercício de uma instituição com mais simpatizantes que o número de votantes que elegeram Marcelo), Lucília Gago desmente os receios dos seus detractores e mostra-se à altura do perfume dinástico que envolvia a sua antecessora (Os Marques Vidal poderia via a ser um seriado do Correio da Manhã TV, se este canal se aventurasse novamente na ficção. Embora haja quem jure que já há ficção que chegue na sua informação.) Em suma, a Procuradoria de Lady Gago é igual à da Joana.

 

Nos patamares hierárquicos do Ministério Público imediatamente abaixo, os protagonistas repetem-se. Desde o procurador meticuloso com uma queda pelos mega-processos ao inspector tributário bracarense que em tempos propôs criar a PT (Polícia Tributária) dentro da AT (Autoridade Tributária), passando, claro, pelo CR7 da nossa magistratura, empenhado em bater o recorde nacional da detenção de “poderosos”. Se o registo de condenações após sentenças transitadas em julgado está ou virá a estar à altura das expectativas geradas pelo festim mediático de indiciação e detenção é outra questão. Mas ninguém poderá dizer que os prevaricadores não continuam a ser chamados a prestar contas, mesmo aqueles que enxameavam os seus pobres discursos com a palavra “instituição” como quem invocava um pára-raios.

 

Imagem: ministeriopublico.pt

O ALVO EM MOVIMENTO

Julho 04, 2021

J.J. Faria Santos

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“Cabrita é uma personagem detestável e que gera hostilidade”, escreveu há duas semanas Clara Ferreira Alves. Será do ar enfatuado e da pouca loquacidade? O alvo em movimento preferido da oposição, e não só, viu-se agora envolvido num acidente de viação com consequências fatais. A ânsia febril de tramar o Cabrita (talvez não seja necessário tanto frenesim, talvez o homem acabe derrotado pelo acumular de erros e más avaliações) gerou um tornado de desinformação, desde a lancinante denúncia do Correio da Manhã (“os titulares da investigação nem sabem para onde a viatura foi levada “) até à pergunta do milhão de dólares de Rui Rio (“Como é possível que um carro que está ao serviço do Governo não está registado?”). Ficamos a saber que o jornal tem uma relação conflituosa com a verdade (sobretudo quando ela prejudica a notícia bombástica) e que Rio desconhecia a noção de viatura em “situação jurídica de apreendida”.

 

O problema, dizem os indignados, é o silêncio (do ministro) e a pouca celeridade (da investigação). E a escassa “transparência das informações”. A questão fulcral, digo eu, é que cavalgando a tragédia e aproveitando a vulnerabilidade ministerial os justiceiros de ocasião estão indisponíveis para esperar pelo apuramento dos factos. Vejamos a questão da sinalização do local: o gabinete do ministro disse que as obras não estavam sinalizadas, a Brisa e o advogado da família da vítima dizem que sim, e segundo o Expresso (sintetizando o relato de uma testemunha no local), o sinistrado “Nuno Santos, que era chefe da equipa que estava a fazer manutenção na berma da autoestrada, tinha acabado de retirar toda a sinalização do local devido ao final de turno”. Aguardemos, pois, o desenrolar dos procedimentos legais. Claro que, para os profissionais da indignação, transparência seria o ministro fazer a ronda dos canais por cabo respondendo a uma inquirição de cariz mediático, e celeridade seria um julgamento sumário em que se misturariam presunções baseadas em conclusões de senso comum (o carro ia a alta velocidade, o local era quase uma recta, etc.) com considerações sobre a insensibilidade do ministro e as suas concomitantes falhas morais. E quanto ao silêncio de Eduardo Cabrita, recentemente quebrado, não é difícil presumir que se ele se tivesse desdobrado em declarações acabaria acusado de estar a condicionar as investigações. Optando pelo recolhimento, arca com o labéu de pretender “abafar o caso”, como se tal fosse possível na era das redes sociais e do jornalismo de cariz sensacionalista.

 

Verbere-se, se assim se entender, a acção (ou inacção) política do ministro, a sua responsabilidade última em casos como os que envolveram a aquisição das golas antifumo, os festejos do campeonato do Sporting ou o assassinato de Ihor Homenyuk, mas recuse-se aproveitar uma tragédia para obter dividendos políticos. Há sempre espaço para quem armado de certezas inabaláveis e juízos definitivos vista a toga e leia a sentença inapelável no tribunal mediático, mas é aconselhável que nos lembremos de quem, como o narrador de A Casa Golden, de Salman Rushdie, concluiu que “no fim de contas uma toga não passava de um lençol com a mania das grandezas”.

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