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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

VOX AMÁLIA (PALAVRAS DITAS)

Julho 26, 2020

J.J. Faria Santos

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“A minha vida não foi vivida por mim. Viveu-me. Foi Deus Nosso Senhor que andou por aqui como um anjo-da-guarda… Sou tudo aquilo que o fado quer. Não sou eu que canto o fado. É o fado que me canta a mim.”

 

“Canto folclore, canto marchas, canto espanhol, inglês, francês, italiano, não sou propriamente uma fadista que só canta fado.”

 

“Eu gostaria mais de ser cantora de ópera do que cantora de fado. A Maria Callas cantava e arrepiava. (…) Houve um musicólogo que disse uma vez que na música havia três pessoas neste século: a Callas, o Karajan e eu.”

 

“Gosto de Mahler, que é uma música parecida com a minha, e de Bach. É de chorar, por isso é que gosto. E aprecio muito a música popular do Brasil, do México, das Américas Latinas… Sabe, gosto também muito da música árabe.”

 

“Uma vez, num banquete, fiquei sentada ao lado do Mitterrand e do outro lado estava o Álvaro Cunhal. Eu estava sempre a olhar para ele, porque nunca o tinha visto. Mas quando eu olhava, ele olhava também, parecia que estávamos combinados. Então, eu disse-lhe: ‘Desculpe estar sempre a olhar para si, mas nunca tinha visto o bicho de perto…’ (…) Depois conversámos uma meia hora numa festa qualquer e ele disse-me: ‘Apesar das nossas divergências, sou um grande admirador seu.’”

 

“Salazar nunca deu nada nem ao fado nem ao futebol e Fátima não precisava dele. Se você dá um jantar em sua casa a convidados de cerimónia, põe a melhor toalha. Eles pensavam que eu era a melhor toalha do regime.”

 

“Fala-se tanto de felicidade, mas a felicidade o que é? Não se pode meter uma vida toda numa palavra.”

 

“Sou sentimental, não sou romântica. Sou mais dramática. Trágica não, porque nós portugueses não chegamos à tragédia. É trágico, mas é assim.”

 

“Gostava de morrer de repente. Acho que as pessoas deviam ser como as maçãs, cair da árvore.”

 

 

Fontes das citações de Amália Rodrigues: Diário de Notícias de 7/10/1999; Público de 9/02/1997 e de 7/10/1999; Expresso de 1/07/1995 e 25/10/1997. Imagem: pormenor de fotografia de Augusto Cabrita.

 

JESUS, CRISTINA E O ESPÍRITO SANTO

Julho 19, 2020

J.J. Faria Santos

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A crença na segunda vinda de Jesus Cristo à Terra tem a designação de parusia, muitas vezes associada ao cumprimento do Juízo Final. O regresso de Jorge Jesus ao Benfica será equivalente a um recomeço (uma espécie de regresso à Terra Prometida). De Juízo Final terá, quando muito, o obliterar da herança da dupla Rui Vitória/Bruno Lage, não deixando pedra sobre pedra, ao mesmo tempo que ameaça remeter para a estratosfera a estratégia de aproveitamento da formação. Em 2016, Luís Filipe Vieira bradava que Jesus tinha uma “maneira de trabalhar” que não servia “os interesses do Benfica”. O mundo mudou, o presidente benfiquista acenou com 3 milhões e os dirigentes do Flamengo receberam com incredulidade a notícia da perda do idolatrado técnico.

 

Têm em comum o Jorge, nome próprio num caso, apelido no outro. Só que a vedeta televisiva que agora regressa à TVI é sobejamente conhecida como Cristina (que significa cristã ou ungida por Deus) Ferreira. A SIC, se não ficou incrédula, considerou pelo menos, a decisão “abrupta e surpreendente”. Já a apresentadora (em vias de se tornar accionista e administradora na Media Capital) estaria aparentemente insatisfeita por não ter mais influência na área de entretenimento da SIC. Acenaram-lhe com um “projecto ambicioso”, triplicaram-lhe o ordenado (um valor que rondará os 3 milhões) e eis que Cristina regressa à casa-mãe. Nada é irremediável e nada é definitivo. Como ela própria escreveu: “(…) “o meu para sempre é muito estranho. É que nele está incluído o sair para continuar a crescer.” É crime ter ambição, desejo de alargar o raio de acção profissional, aceitar propostas de trabalho irrecusáveis?

 

Crimes, disse ele (o Ministério Público). 65 na totalidade atribuídos ao Espírito Santo. Ricardo Salgado na versão abreviada do nome com pedigree, ao qual não falta, porém, um quase plebeu Silva. O homem que geria influências e exercia o poder quase somente com um arquear de sobrancelha terá, com a sua acção danosa, infligido perdas da ordem dos 11,8 mil milhões de euros (3,5 mil milhões dos quais ao BES).A provar-se a acusação agora tornada pública, Espírito Santo terá sido o cérebro de uma rede criminosa que recorreu a formas mais ou menos sofisticadas de burla e falsificação. Ao contrário de Jorge Jesus e Cristina Ferreira, que legitimamente conjugam as suas ambições com as oportunidades que o mercado de trabalho lhes proporciona, Ricardo Salgado é o único, nesta heterodoxa santíssima trindade de figuras públicas, que, encurralado pelos erros próprios e pelas circunstâncias, não terá hesitado em recorrer a esquemas ilícitos para tentar preservar um império, cuja derrocada acabou por precipitar.

 

Imagem: Ilustração de Cristina Sampaio para o jornal Público.

 

SHARON STONE DESCRUZA AS PERNAS PERANTE JOÃO PAULO III

Julho 12, 2020

J.J. Faria Santos

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Sharon Stone está sentada em frente a ele, vestida de preto, recatada, mas com transparências, e o Papa João Paulo III começa logo por dizer que lhe ficaria “eternamente grato” se durante o decorrer da conversa ela evitasse o movimento de “descruzar e recruzar as pernas”. O tom é amistoso, quase sedutor, como se John Malkovich (que interpreta o Papa) estivesse a evocar o visconde de Valmont que encarnou em Ligações Perigosas. Stone sossega Sua Eminência e a conversa decorre em tom amistoso e permeável ao humor. Exemplo disto é a defesa do casamento gay para os católicos por parte dela, ao que ele responde que a Bíblia não o permite. Stone insiste e questiona se não pode haver um upgrade da Bíblia, o que obtém como resposta a explicação de que “a Bíblia não é um iPhone”.

 

Não está aqui em causa o dilema clássico de saber se é a vida que imita a arte ou se é a arte que imita a vida. Do que se trata é de um exercício provocatório em que uma sex symbol embarca na autoparódia com panache e sofisticação. É a ficção a recorrer a um facto que ocorreu (a existência de uma cena icónica do filme Instinto Fatal) para criar novas camadas de ficção, colocando uma figura real (a actriz Sharon Stone a fazer de si própria ou a ‘interpretar’ uma faceta de si mesma) a ser recebida em audiência papal. A cena abre o quinto episódio da série The New Pope, criada e realizada por Paolo Sorrentino (e exibida na semana passada no TVCine Emotion).

 

A dada altura, Stone confessa-se desconfortável, dado que um músculo da coxa (o adutor longo) estava a ficar entorpecido, pelo que se tornava imperioso cruzar as pernas no sentido oposto. Nada de particularmente ameaçador para os votos sagrados decorreu daqui. O Papa João Paulo III pediu apenas um momento para que ele e o restante séquito de clérigos desviassem o olhar num movimento síncrono. Devidamente autorizada, deu-se a coreografia das pernas, a que se seguiu novo movimento síncrono de cabeças na direcção oposta. Tudo isto foi pretexto para uma reflexão do Papa acerca da “beleza do sacrifício”, não deixando de admitir que ele pode ser acompanhado de alguma penosidade. Enfim, cada um carregará a sua cruz. Para alguns, ela foi um literal instrumento de crucifixão, um suplício para os condenados. Para outros, será somente o irromper do desejo insatisfeito face ao cruzar e descruzar de um par de pernas.

 

Imagem: Sharon Stone fotografada por Alix Malka para a Paris Match em Agosto de 2009 (pormenor)

O ANDRÉ A CONTRIBUIR PARA A FELICIDADE DA MARIA

Julho 05, 2020

J.J. Faria Santos

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Reparem no tom épico, entre o arrebatamento e o fanatismo: “um dos dias mais felizes da minha vida”; “fez-me verter as lágrimas de esperança que mantinha presas nos olhos, à espera do momento certo para serem choradas de emoção”; “Obrigada (…) àqueles que formam o pilar que eleva o nosso líder e que, se Deus e os portugueses quiserem, em breve, será o homem que tornará Portugal grande novamente.” As palavras da actriz Maria Vieira no Facebook revelam todo o seu entusiasmo pelo homem que rebentou o dique das suas emoções e que ela acha que devolverá a grandeza a Portugal. André Ventura é o homem dos momentos certos, com aquela retórica de convicções incertas, mas com o talento exacto para transformar em slogans eficazes as tiradas de ressentimento, desconforto ou pura ignorância que os excluídos e os desprotegidos debitam à mesa do café, nos fóruns da comunicação social ou nos comentários que são autênticos esgotos a céu aberto nas redes sociais.

 

Maria Vieira falava no rescaldo da manifestação promovida sob o lema “Portugal não é Racista” e que, de acordo com o insuspeito Observador, se “transformou num comício do Chega”, conforme relato onde se dá conta da preocupação dos correligionários do populista com a popularidade: é que “em cima da hora agendada para o arranque da manifestação, apenas duas ou três centenas de manifestantes, nem todos militantes do Chega, aguardavam pela chegada de André Ventura”. Felizmente que a coisa se compôs, e que cerca de 1200 manifestantes puderam acompanhar o querido líder, não permitindo que ele descesse a “Avenida sozinho”. Alguns terão tido a possibilidade de testemunhar o seu talento para a provocação, numa encenação que passa por coragem ou desassombro, mas que é suficientemente ambígua para permitir a negação. Há um braço levantado no ar, direito. Segundo o Expresso online, um dos manifestantes dirige a palavra a Ventura: “Ó André, não levantes a mão assim que eles vão fotografar isso”. O tom é jocoso. Prossegue o Expresso: “Ventura ri-se, acena e baixa a mão, algumas fotografias depois. A caminhada prossegue.” Objectivo concretizado. Não existe essa coisa a que alguns insistem em chamar de publicidade (ou propaganda) negativa. Que importa que seja miserável e sintoma de torpeza moral imitar gestos que evocam as páginas mais negras da história da Humanidade, onde, para usar linguagem que ele aprecia, se cometeram crimes “hediondos”?

 

O homem é um artista completo. Julga-se com o talento para combinar a gravitas do estadista com o desbragamento da stand-up comedy. O seu leque de interesses é tão abrangente que vai dos dotes domésticos de Ana Paula Vitorino e da maquilhagem de Joana Amaral Dias até à participação de Humberto Delgado “em ac[to]s terroristas que vitimaram crianças”. O homem está nos píncaros. Não só recebeu um convite de Trump para participar na convenção do Partido Republicano como confessou na manifestação ter tido um chamamento ou uma inspiração divina: “Alguma coisa me disse que não podíamos recuar e que Deus estaria no comando.” Nesta arriscada tangente ao estilo Bolsonaro, não há duas interpretações possíveis: ou o Divino se filiou no Chega ou trata-se de uma desavergonhada invocação do nome de Deus em vão. Em breve André poderá recriar a palavra de ordem de Bolsonaro. Qualquer coisa como: Portugal acima de tudo, Deus acima de todos e o Chega à espreita. Para felicidade da Maria.

 

Imagem: Vip.pt

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