PORTUGAL AMORDAÇADO (MAS CHIC E TRENDY!)
Maio 25, 2020
J.J. Faria Santos
A noção da máscara facial como acessório de moda parece-me do reino do desvario. Mesmo tendo em consideração as compreensíveis estratégias de sobrevivência da indústria ou o conceito louvável de conferir leveza, colorido e estilo a um equipamento de protecção individual, a ideia de que é possível estabelecer uma equivalência, por exemplo, ao uso de um cachecol parece-me impraticável por pressupor uma irrealista normalização do uso. Por mais confortável e sofisticada que seja, uma máscara será sempre uma barreira a duas das mais vitais actividades inerentes à natureza humana: respirar e falar livremente. Duas coisas que em circunstância alguma trocaria pelo glamour de uma assinatura de alta-costura.
Cultor escrupuloso da frequente higienização das mãos, seguidor das regras da etiqueta respiratória e do distanciamento social (neste último caso, ainda antes da pandemia – os aglomerados nunca foram o meu forte; prefiro ambientes mais restritos e íntimos), reservo a utilização da máscara para os locais onde o seu uso é obrigatório, e onde permaneço o mínimo de tempo possível para completar a tarefa que me levou lá. Para além da obrigatoriedade legal, faço-o porque, citando a Informação 009/2020 de 13/04/2020 da DGS, “de acordo com o Princípio da Precaução em Saúde Pública, e face à ausência de efeitos adversos associados ao uso de máscara, deve ser considerada a utilização de máscaras por qualquer pessoa em espaços interiores fechados com múltiplas pessoas, como medida de proteção adicional ao distanciamento social, à higiene das mãos e à etiqueta respiratória”, mesmo considerando que “a eficácia da utilização generalizada de máscaras pela comunidade na prevenção da infeção não está provada”.
Admito que faça sentido a utilização da máscara como acessório de moda em determinados contextos (por exemplo, no desfile de uma colecção, como complemento à explosão de criatividade que se reflecte no desenho da peça, nos tecidos, nos padrões ou nas texturas), mas a ideia de um qualquer ícone de estilo completar o outfit com um apetrecho facial com griffe para assistir a um “evento” afigura-se-me desajustado. Defeito meu, certamente, que jamais conseguiria participar na espécie de self-service de tagarelice que constituem certas reuniões sociais sem sequer contemplar na sua inteireza os rostos dos convivas, ocultos por um acessório que evoca o risco de contágio. A máscara social tem este efeito em mim: torna-me associal.
Imagem: www.giorodrigues.com