A ARTE DE BEM REPRESENTAR EM TODA A TELA
Julho 30, 2019
J.J. Faria Santos
Numa série onde a cumplicidade feminina/feminista se tornou mais relevante que a rivalidade social, não destoa que o final da segunda temporada tivesse culminado numa espécie de batalha de mães em pleno tribunal: Celeste, para manter a custódia dos filhos; Mary Louise para reabilitar a memória do filho (na impossibilidade de vingar a sua morte), apropriando-se dos netos e desqualificando a nora.
Já sabíamos que Meryl Streep é um compêndio de representação, com recursos quase ilimitados, mas a forma como deu vida a uma Mary Louise passivo-agressiva, exasperante e intrometida, navegando entre a sogra em modo megera e a avó extremosa dividida entre o sacrifício da renúncia (a separar os netos da mãe) e o ímpeto da conquista (da custódia deles) foi simplesmente soberba. Mas se Streep representou uma personagem movida pelo desejo de descobrir a sua verdade, a Celeste de Nicole Kidman viu-se forçada, para além de viver um luto dividido entre a memória do desejo e a repulsa pelo abuso, a lutar sem tréguas pela manutenção da tutela dos filhos, um dos factores que a tinham levado a suportar uma relação abusiva.
Não surpreende que Kidman tenha estado à altura da performance de Streep, ela que, aos cinquenta e um anos, acumula o reconhecimento dos seus dotes interpretativos com o estatuto de estrela de Hollywood. Krista Smith, que a entrevistou para a Vanity Fair de Maio, escreveu que vê-la “na cena em que ela está sozinha com a terapeuta debatendo-se com a semântica da violência doméstica é uma master class de interpretação”. A própria Meryl Streep declarou a Krista Smith acerca de Kidman: “Admiro-a. Ela é como uma Valquíria suave e secreta com uma coluna vertebral de aço (…) Ela mede cerca de um metro e oitenta, e às vezes eleva a fasquia. É o que vemos no final desta temporada. Vemos a verdadeira estatura da Nicole”.
Acerca da segunda temporada de Big Little Lies correram rumores de desinteligências entre um produtor e a realizadora da série, Andrea Arnold. Alguns críticos apontaram debilidades no desenvolvimento da intriga, bem como uma tendência para ceder aos clichés telenovelescos. Outros entretiveram-se a avaliar a plausibilidade de uma avó obter nestas circunstâncias a custódia dos netos. Mas numa temporada que deu mais espaço à personagem de Zoë Kravitz e abriu novos horizontes para Jane (Shailene Woodley), é impossível não sobrevalorizar o extraordinário desempenho do elenco, simbolizado, para além dos desempenhos das já citadas Streep e Kidman, por exemplo, pelas fúrias épicas de Renata (Laura Dern) e pelo dilacerante mea culpa conjugal de Madeline (Reese Witherspoon).