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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

MORO NUM PAÍS TROPICAL

Abril 30, 2019

J.J. Faria Santos

 

IMG_20190428_173519_v2.jpgAcusado pelo ex-primeiro-ministro português José Sócrates de ter sido um “activista político disfarçado de juiz”, Sérgio Moro replicou que não debatia “com criminosos pela televisão”. Parece que a liberdade de linguagem do ministro da Justiça é consideravelmente mais alargada que a do juiz, pois citando o colunista Daniel Oliveira “Um magistrado que chama criminoso a alguém que ainda nem sequer entrou na sala de um tribunal é um magistrado que despreza o processo judicial.” O mesmo homem que afirmou repetidamente jamais aceitar qualquer cargo político (e que agora disse ao jornal Expresso não ter “pretensões” a concorrer à Presidência), é o mesmo que não vislumbra qualquer incongruência na sua actual posição. É que ele não é um político; é “um técnico, um juiz que está no Governo”.

 

Toda a tramitação do processo Lava-Jato e a condenação de Lula foram vistas por observadores independentes como contaminadas pela fragilidade das provas e por um voluntarismo judicial a raiar a obsessão ideológica, pelo que Moro, na citada entrevista, fez questão de frisar que as suas decisões “foram e estão a ser confirmadas pelos tribunais superiores”. E, no entanto, questionado se se arrependia de algo, adianta, algo enigmaticamente, “que talvez tivesse sido mais rigoroso”. Parece que o rigor não é a maior das suas qualidades, ou então sacrifica-o às suas convicções inabaláveis e pré-definidas.


Manuel Carvalho, director do jornal Público, estranhou o silêncio em Portugal perante uma afirmação desta gravidade. Para ele, “o está em causa é muito mais do que a ofensa a um ex-primeiro-ministro sob suspeita. É um princípio básico do Estado de direito que foi atacado. É a credibilidade do sistema judicial português que é atingida – há um ‘criminoso’ à solta, protegido pela impunidade? Logo, é um abuso de um ministro de um Governo presidido por um político cujas virtudes democráticas e valores humanistas se desconhecem por não existirem.”


Sérgio Moro diz na entrevista ao Expresso que Bolsonaro “eventualmente fez algumas declarações que não foram as melhores”. E que a culpa também foi do “sensacionalismo da imprensa brasileira e mundial” (Fake news em versão brasileira…). Eis o que se pode chamar um autêntico Lava-Jato político, uma forma ao mesmo tempo infantil e grosseira de desculpar, banalizar e branquear as barbaridades que pontuam o currículo do Presidente eleito do Brasil.


Algures no conhecido tema “País Tropical” canta-se: “Eu posso não ser um band leader / (Pois é) mas assim mesmo lá em casa / Todos meus amigos, meus camaradinhas me respeitam / (Pois é) essa é a razão da simpatia / Do poder, do algo mais e da alegria”. É caso para dizer que um juiz-ministro com vocação para justiceiro pode contentar-se com o apoio clubístico dos “camaradinhas”, mas tal condição é insuficiente para quem quiser aspirar à grandeza de um serviço público exemplar.

 

O QUE FAZEMOS COM A LIBERDADE

Abril 22, 2019

J.J. Faria Santos


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Na era dos influencers, das notícias virais que muitas vezes rimam com banais  (contra as quais ninguém está inoculado), das fake news (que requerem a nossa vigilância e o nosso activismo) e do mérito medido pelo número de seguidores (há algo de sinistro nesta designação, que tanto pode nomear a admiração mais ou menos acéfala como a perseguição maníaca), que fazemos com a liberdade? Entregamo-nos à volúpia da disrupção, esgotamos todas as possibilidades de testar os limites do que podemos fazer (só porque sim), ou calibramos esse desejo (e esse direito) com uma dose de bom senso e civismo?

 

Proliferam no espaço público formas das pessoas se organizarem e se exprimirem. Reduziram-se os mecanismos de censura, mas também se enfraqueceram os meios de intermediação e validação. Padrões de probidade, decência, competência e eficácia que sempre preferimos discernir nos líderes que escolhemos, foram agora trocados, em algumas nações, por uma linguagem radical, muitas vezes estranha à verdade e ofensiva da nossa dignidade humana.

 

Sim, às vezes é preciso dizer não, desobedecer, questionar a ordem estabelecida, instalar a desordem criativa, mas é imperioso resistir às sereias do poder. O que é tremendamente difícil, sobretudo para quem, por exemplo, partindo de reivindicações de alcance incerto se alcandora aos píncaros de conseguir paralisar um país. O povo é quem mais ordena, mas a auto-regulação é crucial. E as elites não são dispensáveis.

 

Mesmo quando nos falham. Como foi o caso da família de banqueiros, austera e tradicional (com o gosto de “brincar aos pobrezinhos”), mas disfuncional e permeável a “liberalidades” de construtores civis e vulnerável ao charme do off-shore. Os militares da foto, que fizeram parte do contingente que ocupou a Baixa de Lisboa nos dias da revolução, parecem proteger o então denominado BESCL. Quem nos protegeu do BES? A liberdade não nos defendeu das liberalidades.

 

Mas convém que não nos deixemos iludir. Nem que aceitemos o condicionamento da liberdade em favor de uma inexpugnável segurança (inalcançável) ou de uma branda repressão mascarada de mirífica ordem. Robert Fishman, sociólogo e cientista político norte-americano, declarou, em entrevista ao Público, que “Em Portugal, a democracia nasceu de uma fusão rara de revolução social, mudança cultural activa e democratização convencional.” As preocupações sociais e a redução da desigualdade devem continuar a ser um desígnio central da nossa democracia consolidada, e demonstrar capacidade de resistência face a teorias económicas radicais que toleram a sua fragilização como dano colateral do crescimento económico. “Brincar aos pobrezinhos” é de um mau gosto assinalável; brincar com os pobres é um atentado à dignidade humana. E à liberdade.

 

MARCELO ÜBER ALLES

Abril 16, 2019

J.J. Faria Santos

 


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Ele é um eminente constitucionalista. Para quê recorrer ao Tribunal Constitucional? Ele acha imperioso regular as nomeações familiares para a Presidência da República. O Presidente não tem iniciativa legislativa? Perdão! Iniciativa (e energia) é coisa que não lhe falta. E ele lá é político para se inibir com as limitações constitucionais. Que ele própria interpreta (Tome lá, senhor primeiro-ministro, um anteprojecto de lei que eu redigi! E que eu garanto, desde já, promulgar!). Ele estará apenas a redefinir as fronteiras do semipresidencialismo. É a híper-magistratura de influência, que pode ir dos discursos em que ensaia demissões de ministros até às declarações em que aponta que partidos devem aprovar as leis de bases, passando pelas pressões (benignas, claro) sobre a Justiça (Tancos está a demorar uma eternidade!).

 

Parece que, inicialmente, o Presidente propunha a proibição de nomeações até ao sexto grau (situação que Ana Sá Lopes no Público sugeria poder obrigar “à contratação pública de especialistas em genealogia”), mas, segundo o Expresso, a “conversa com o primeiro-ministro levou Marcelo a recuar” para o quarto grau (primos). Terá faltado ponderação à formulação inicial ou a cooperação institucional com o “optimista irritante” resultou num módico de bom senso? (O próprio Marcelo já terá analisado esta questão, do ponto de vista dos dois intervenientes.)

 

O Presidente inscreveu-se na vida dos portugueses muito para além da sua função institucional. Ele é o provedor dos afectos, o pronto-socorro emocional. Parece omnipresente, presumem-no omnipotente. Uma presunção que ele alimenta, mesmo por omissão. Desdobra-se em missões de proximidade (uma inesperada expedição a um velório para “dar os sentimentos”, uma inopinada audiência concedida a uma mulher que não quer morrer sem o conhecer) e em confidências de pé de orelha (acerca dos “ricos” que conheceu). Está todos os dias num ecrã perto de si, preparado para o imortalizar numa selfie e para se imiscuir na sua iconografia pessoal. Há quem lhe chame populismo benigno. Ele só quer ser amado. Ele não é totalitário, tem é a vertigem do totalista. No jogo da política quer recolher todos os pontos. É como um maestro célebre que presume saber tocar todos os instrumentos da orquestra e não nutre particular apreço pelos solistas.

 

FAMILYGATE - CONTRIBUTOS PARA A CAVACOLOGIA

Abril 08, 2019

J.J. Faria Santos

 

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O supra-sumo da gestão dos silêncios regressou à arena mediática com estrondo. Inadvertidamente, acabou por confirmar a sugestão do actual primeiro-ministro de que ele tem uma relação problemática ou selectiva com a memória. “Fui verificar a composição dos meus três governos durante os dez anos em que fui primeiro-ministro e não detectei lá – espero não me ter enganado – nenhuma ligação familiar.”, disse Cavaco Silva. Não obstante a surpreendente modéstia (a simples admissão da possibilidade de ter laborado num equívoco é assombrosa), o teor da proclamação é devastadoramente errónea. Sobretudo para alguém que sempre reclamou para si as qualidades inerentes ao estudo minucioso dos assuntos e ao rigor das afirmações.

 

Uma outra declaração, também na linha da neomodéstia, ajudará a explicar o faux pas. Disse ele: “Nos últimos dias aprendi bastante sobre as relações familiares entre membros do Governo e confesso que era bastante ignorante em relação a quase tudo daquilo que foi revelado (…)”. O que se pode deduzir é que a autoproclamada ignorância é extensiva aos seus próprios executivos. Uma pequena nota na secção Gente do Expresso adicionou um picante extra: a nomeação de familiares chegou ao seu inner circle, na pessoa da sua cunhada, Margarida Mealha, que foi assessora de Maria Cavaco Silva.

 

O que é certo é que, contrariando a mitologia, o professor tem consultado, talvez compulsivamente, a comunicação social. O próprio fez questão de o anunciar: “(…) por aquilo que li, não há comparação possível em relação ao Governo a que dei posse em 2015. E, segundo li também na comunicação social, parece que não há comparação em nenhum outro país democrático desenvolvido”. Como não sabemos que órgãos de comunicação social é que o distinto professor consultou, e através de que plataformas (em formato papel? Online?), ficaremos sempre na dúvida se essas leituras iluminaram o seu desconhecimento ou reforçaram o enviesamento ideológico de que parece padecer.

 

Para sermos justos, no meio das mensagens políticas que fez questão de passar, Cavaco Silva até teceu considerações pertinentes, nomeadamente acerca do escasso crescimento económico. E quanto à nomeação de Margarida Mealha, ocorre-me a oportunidade de citar Vasco Pulido Valente (Público, 6 de Abril): “Em 1980, também nomeei uma ex-cunhada para o meu gabinete, na maior paz de espírito. Gostava dela e ela conhecia a ‘casa’. Não me ocorreu que estivesse a cometer um tenebroso acto de nepotismo.” A questão fundamental aqui é que, socorrendo-se da amálgama de situações elencadas no espaço público, o ex-Presidente aproveitou para cavalgar a onda antigovernamental, sacrificando o rigor ao objectivo político. Perdendo a oportunidade de ser pedagógico, preferiu ser panfletário. À apologia das boas práticas e da ética republicana preferiu o enquistamento ideológico. E pelo caminho deu um calamitoso tiro no pé. Citando-o: “Só se deixa enganar quem quer ser enganado”.

 

A FÚRIA ÉTICA EM TEMPO DE ELEIÇÕES

Abril 02, 2019

J.J. Faria Santos

 

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Qual a consequência da existência de relações familiares em lugares no Governo ou na administração pública?
“Termos políticos que olham para o país que olham para o país a partir do seu lugar de classe ou das suas circunstâncias familiares traduz-se num défice de representatividade. E é mais um contributo para a crise de legitimidade do regime.”
Pedro Adão e Silva (Expresso)


Há uma excessiva preponderância de militantes do PS no Governo? E os mesmos nomes vão-se perpetuando?
De acordo com números citados pelo primeiro-ministro, dos “62 membros” do Governo, “36 são militantes do PS e 26 são independentes”. 49 deles nunca tinham pertencido a qualquer Governo e 32 “exercem cargos políticos pela primeira vez”.


É inédita a concentração familiar no Governo socialista em comparação com alguns países europeus?
De acordo com um artigo do Expresso, intitulado “Em nepotismo, estamos em média com a Europa”, “Portugal não é um caso isolado”. São citados os exemplos de irmãos no Governo de Rajoy (Espanha), dos irmãos David e Ed Milliband (ambos ministros em Inglaterra entre 2007 e 2010) e também em Inglaterra do casal Ed Balls / Yvette Cooper. Na Bélgica, “a companheira do primeiro-ministro é conselheira da ministra do Orçamento”. Ao nível das assembleias, por exemplo, na Assembleia Nacional francesa, “no início deste ano, filhos, cônjuges e primos ainda tinham contratos (…) como assistentes de mais de 100 deputados, num total de 672”. Já no Parlamento britânico “122 deputados continuam a dar emprego a familiares”, apesar das alterações legislativas no sentido de restringir estas situações.

 

Esta concentração familiar atingiu proporções nunca vistas em Portugal?
“Não sei se existe uma exce[p]cionalidade socialista nesta endogamia. Do que conheço dos partidos, tenho muitas dúvidas. Tivemos, em governos passados, casos semelhantes. Como no de Cavaco, em que além de quase toda a família Beleza havia Diamantino Durão e Durão Barroso. Quanto à nomeação de parentes de políticos para gabinetes de ministros, sempre foi tão generalizada que não consigo levar a sério a indignação de tantas falsas virgens.(…) Também não sei se as coisas pioraram agora. Os critérios que estão a ser usados são tão difusos e alargados que se torna impossível fazer comparações.”
Daniel Oliveira (Expresso)

 

 

 

 

 

 

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