Quando o entretenimento namora com a controvérsia e simula aspirar à seriedade analítica o que é que acontece? Nada como entrevistar um ex-condenado avesso ao arrependimento, à democracia e aos direitos humanos, para nos iluminar com o seu “pensamento” acerca da viabilidade e oportunidade de um novo Salazar. Descartados interlocutores de outro calibre (por exemplo, Jaime Nogueira Pinto), o perfil deste Machado (que cortou mais que a raiz ao pensamento…) exigia um estilo de entrevista mais confrontacional (para citar José Rodrigues dos Santos) de forma a evitar a sensação de conivência ou tolerância para com o intolerável. Mas como o Você na TV demonstrou cabalmente, o rating e o share lavam mais branco que a decência. A culpa será da Cristina Ferreira, a desertora, que espoletou esta guerra fratricida. E a defesa da liberdade de expressão o mais inatacável dos pretextos.
Uma aparição da Nossa Senhora do Estilo numa discoteca nova-iorquina causou estupefacção dada a proeminência do seu traseiro. Ou como o definiu a Fox News com uma elegância insuspeita, Madonna apresentou-se com um “curvy derrière”. Ao primeiro impacto, a confirmar-se a colocação de implantes nos glúteos, o resultado não parece particularmente lisonjeiro, mas, como a própria rapidamente tratou de esclarecer, não necessita da “aprovação de ninguém” e tem “direito a fazer o que quiser” com o seu corpo. Uma constatação irrefutável. E nem o facto dela ter feito da exposição do corpo e das suas metamorfoses um instrumento ao serviço da sua performance artística dá aos seus admiradores e aos seus detractores um droit de regard sobre as suas opções estéticas.
O juiz Carlos Alexandre declarou ter recusado um convite do Nós, Cidadãos! para ser cabeça de lista por este partido nas eleições para o Parlamento Europeu. Esclareceu não pretender qualquer “intervenção política”, mas sentir-se “honrado pelo apelo que vem da sociedade civil”. Sibilino, trata de partir do princípio de que não existe, neste convite, qualquer “aproveitamento” do seu “nome e imagem”, porém, de forma precavida, trata de “repudiar” tal eventualidade. É louvável que o juiz português se mantenha afastado da actividade política. Por todas as razões e mais uma – é que o Nós, Cidadãos! só teve 22 439 votos em 2015. Já o insigne juiz tem um grupo de apoio no Facebook que já congregará mais de 100 000 apoiantes. Curiosamente, é um grupo que inclui potenciais interessados em discutir na TVI a viabilidade de um novo ditador. Quanto ao Salazar original, pode ler-se na página do grupo, “até com as solas das Botas Rotas, era um SENHOR” (sic). Já outro admirador de Carlos Alexandre lamenta que os elementos da extrema-esquerda sejam tratados por “Vossas Excelências” e os de extrema-direita por “bandalhos”. Com toda a probabilidade, o juiz Carlos Alexandre deplorará o aproveitamento que este grupo estará a fazer do seu “nome e imagem”. Não me parece que seja gente com quem lhe apeteça sequer “refeiçoar”.
O chefe do Estado interrompeu uma reunião para entrar em directo via telefone no programa de Cristina Ferreira. Consta que o objectivo foi “estabelecer alguma paridade com o concorrente”, na formulação do jornal Público, tendo como base uma “fonte de Belém”. Marcelo desta vez não fez “avisos” nem mandou “recados”, limitou-se a desejar felicidades à emocionada Cristina. O Presidente dos afectos, omnisciente e omnipresente, prossegue assim a sua carreira de estrela de TV. Quem sabe, talvez numa próxima oportunidade interrompa mesmo uma audiência (a um parceiro social ou a um alto dignitário estrangeiro) para “estabelecer a paridade” entre o público e o privado. Depois do monte do Manel e da casa da Cristina, chegará certamente a vez da Praça da Alegria. Ou não fosse Marcelo o Presidente de todos os canais.