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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

FAMA SHOW

Janeiro 29, 2019

J.J. Faria Santos

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E que tal transformar um potencial walk of shame num desfile na passadeira vermelha, exibindo luxo e carisma na companhia da it girl Georgina? Correram notícias que Cristiano Ronaldo solicitara uma entrada pela garagem? Deveras? Que crime seria desperdiçar tanto glamour, a menos que fosse para sublinhar o triunfo: uma entrada discreta para uma saída hollywoodesca.

 

Faltaria sempre o suspense. O spoiler era a anunciada sentença negociada: 23 meses de pena suspensa, uma subtracção de cerca de 19 milhões de euros ao seu património (peanuts!). CR7 confessou o crime mas no fundo não é responsável; confiou nos colaboradores (que fizeram planeamento fiscal e forjaram documentos a posteriori).

 

A coisa resolveu-se mais rapidamente que os 90 minutos de um jogo de futebol. Este árbitro ficou-se pelo cartão amarelo. Para cumprir as etapas do argumento cinematográfico standard, faltaria o caminho para a redenção. Mas como o castigo foi relativamente leve, e o crime não foi especialmente censurável aos olhos do português médio, em particular, e dos fãs universais, em geral, o circuito pedonal que o levou da limusina à barra do tribunal e vice-versa foi uma espécie de volta olímpica de consagração que dispensa qualquer penitência.

 

Restam as condecorações, que pressupõem um comportamento regido pelos “ditames da virtude e da honra”. Mas que podem estas excrescências éticas contra o rolo compressor da celebridade planetária? Dispensar-se-ia um exagero de humildade e contrição que o perfil desta celebridade não autorizaria. Mas um módico de discrição e sobriedade seria aconselhável, em vez de um clip directamente saído de um qualquer Fama Show.

 

Imagem: lifestyle.sapo.pt

O PODER DO PUDOR

Janeiro 26, 2019

J.J. Faria Santos

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Estamos mais familiarizados com a censura ao serviço do poder; agora tivemos a variante da censura ao serviço do pudor. Se não foi, pareceu. A Porto Editora omitiu três versos do poema “Ode Triunfal”, de Álvaro de Campos, num manual escolar, explicando a opção com o facto deles conterem “linguagem explícita” e se relacionarem com a prática da pedofilia”. Pediatras, professores, intelectuais e pedagogos de toda a sorte esgrimiram argumentos. Há quem defenda que jovens com 17 ou 18 anos não terão maturidade para compreender a referência à pedofilia, ou que a crueza da linguagem desviaria a atenção da “mensagem” do poema, situação agravada pela falta de tempo para o professor fazer a sua contextualização.

 

A ideia de que jovens com acesso quase irrestrito a plataformas como o Pornhub (para dar um exemplo extremo), com toda a sua oferta tão diversificada, devem ser poupados a versos que referem “automóveis apinhados de pândegos e de putas” é risível. Omitir versos de um poema a pretexto da sua “linguagem explícita” é uma opção hedionda, entre o puritano e o censório, e atentatória da integridade do poema e do poeta. Para citar um outro poema do autor, neste caso a “Saudação a Walt Whitman”: “Que nenhum filho da … se me atravesse no caminho / O meu caminho é pelo infinito fora até chegar ao fim!”.

O MONTENEGRO É UM TIRO NO ESCURO

Janeiro 23, 2019

J.J. Faria Santos

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Não tem a consistência ideológica de Miguel Morgado, a verve e o domínio da linguagem de Paulo Rangel, a experiência governativa e o peso institucional de Carlos Moedas ou a preparação intelectual de Jorge Moreira da Silva. Não se lhe conhecem propostas de acção que o diferenciem do actual líder do partido, nem ideias inovadoras. É por isso que Luís Montenegro é um tiro no escuro. O que é que ele tem que o coloca na pole position dos candidatos a desalojar Rio? A bênção do aparelho partidário (a nomenklatura das concelhias e das distritais), um discurso de oposição incisivo e combativo (que entusiasma os espoliados de 2015) e a chancela de qualidade marcelista (o actual Presidente da República, em 2016, viu nele “qualidades invulgares” que auguravam “grandes sucessos futuros”). O futuro chegará a galope?

 

Só que agora, depois de certificar a qualidade do Montenegro, Marcelo derivou para uma avaliação negativa da sua acção, ou pelo menos, do seu timing. A fazer fé nas “fontes de Belém” que continuam a jorrar no Expresso bastante informação acerca do pensamento e das motivações presidenciais, seria uma “loucura” o PSD entrar numa disputa pela liderança tão perto das eleições. Na verdade, o pensamento marcelista é ambivalente – por um lado ambiciona o reforço da oposição no sentido de uma federação do centro-direita, mas por outro teme os efeitos da instabilidade no PSD, receando que beneficie António Costa.

 

Porém, para Marcelo, mais importante que o Montenegro e o PSD é a sua própria popularidade. É por isso que as suas participações em programas televisivos são justificadas com a necessidade de “manter incólume a ligação ao povo”. Primeiro o povo e só depois as elites. Cáustico como quase sempre, Vasco Pulido Valente escreveu no Público que o telefonema para Cristina Ferreira foi um exemplo de “cortesias de colegas”. E que “quando sair de Belém, o destino natural deste Presidente do Povo é um programa da manhã.” Já uma “fonte próxima” foi de uma candura assinalável em declarações ao semanário Expresso: “Ele pode ter levado pancada de 30 000 pessoas mas a audiência do programa foi de 500 mil. Não foi mau negócio.” Quero acreditar que o Presidente da República tem uma noção bastante mais sofisticada dos negócios do Estado, e um sentido elevado da nobreza do cargo que só perde com elucubrações deste teor. Mesmo que provenham de uma deslumbrada “fonte próxima”.

 

Ilustração: "A Shot in The Dark" de Mel McCuddin

(www.theartspiritgallery.com)

FRIVOLIDADES - DO NOVO SALAZAR AO VELHO MARCELO

Janeiro 08, 2019

J.J. Faria Santos

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Quando o entretenimento namora com a controvérsia e simula aspirar à seriedade analítica o que é que acontece? Nada como entrevistar um ex-condenado avesso ao arrependimento, à democracia e aos direitos humanos, para nos iluminar com o seu “pensamento” acerca da viabilidade e oportunidade de um novo Salazar. Descartados interlocutores de outro calibre (por exemplo, Jaime Nogueira Pinto), o perfil deste Machado (que cortou mais que a raiz ao pensamento…) exigia um estilo de entrevista mais confrontacional (para citar José Rodrigues dos Santos) de forma a evitar a sensação de conivência ou tolerância para com o intolerável. Mas como o Você na TV demonstrou cabalmente, o rating e o share lavam mais branco que a decência. A culpa será da Cristina Ferreira, a desertora, que espoletou esta guerra fratricida. E a defesa da liberdade de expressão o mais inatacável dos pretextos.

 

Uma aparição da Nossa Senhora do Estilo numa discoteca nova-iorquina causou estupefacção dada a proeminência do seu traseiro. Ou como o definiu a Fox News com uma elegância insuspeita, Madonna apresentou-se com um “curvy derrière”. Ao primeiro impacto, a confirmar-se a colocação de implantes nos glúteos, o resultado não parece particularmente lisonjeiro, mas, como a própria rapidamente tratou de esclarecer, não necessita da “aprovação de ninguém” e tem “direito a fazer o que quiser” com o seu corpo. Uma constatação irrefutável. E nem o facto dela ter feito da exposição do corpo e das suas metamorfoses um instrumento ao serviço da sua performance artística dá aos seus admiradores e aos seus detractores um droit de regard sobre as suas opções estéticas.

 

O juiz Carlos Alexandre declarou ter recusado um convite do Nós, Cidadãos! para ser cabeça de lista por este partido nas eleições para o Parlamento Europeu. Esclareceu não pretender qualquer “intervenção política”, mas sentir-se “honrado pelo apelo que vem da sociedade civil”. Sibilino, trata de partir do princípio de que não existe, neste convite, qualquer “aproveitamento” do seu “nome e imagem”, porém, de forma precavida, trata de “repudiar” tal eventualidade. É louvável que o juiz português se mantenha afastado da actividade política. Por todas as razões e mais uma – é que o Nós, Cidadãos! só teve 22 439 votos em 2015. Já o insigne juiz tem um grupo de apoio no Facebook que já congregará mais de 100 000 apoiantes. Curiosamente, é um grupo que inclui potenciais interessados em discutir na TVI a viabilidade de um novo ditador. Quanto ao Salazar original, pode ler-se na página do grupo, “até com as solas das Botas Rotas, era um SENHOR” (sic). Já outro admirador de Carlos Alexandre lamenta que os elementos da extrema-esquerda sejam tratados por “Vossas Excelências” e os de extrema-direita por “bandalhos”. Com toda a probabilidade, o juiz Carlos Alexandre deplorará o aproveitamento que este grupo estará a fazer do seu “nome e imagem”. Não me parece que seja gente com quem lhe apeteça sequer “refeiçoar”. 

 

O chefe do Estado interrompeu uma reunião para entrar em directo via telefone no programa de Cristina Ferreira. Consta que o objectivo foi “estabelecer alguma paridade com o concorrente”, na formulação do jornal Público, tendo como base uma “fonte de Belém”. Marcelo desta vez não fez “avisos” nem mandou “recados”, limitou-se a desejar felicidades à emocionada Cristina. O Presidente dos afectos, omnisciente e omnipresente, prossegue assim a sua carreira de estrela de TV. Quem sabe, talvez numa próxima oportunidade interrompa mesmo uma audiência (a um parceiro social ou a um alto dignitário estrangeiro) para “estabelecer a paridade” entre o público e o privado. Depois do monte do Manel e da casa da Cristina, chegará certamente a vez da Praça da Alegria. Ou não fosse Marcelo o Presidente de todos os canais.

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