PELA HORA DA MORTE
Abril 24, 2018
J.J. Faria Santos
O ofício de agente funerário está cada vez mais próximo do de um organizador de eventos. É o que diz a canadiana Sherri Tovell, cujos funerais mais recentes de que se encarregou incluíram margaritas, karaoke e entrega de pizas. Celebrar a vida do ente querido mais do que mergulhar na dor da partida. (Consigo compreender as vantagens do álcool numa altura de grande desamparo emocional, embora desconfie do seu efeito no desempenho no karaoke…) Aparentemente, também as pessoas que escolhem a cremação não se contentam com um espalhar das cinzas tradicional; já há quem queira disparar as cinzas para o céu com a ajuda de fogo-de-artifício. Certo é que a tendência a longo prazo é para o incremento das cremações, embora o funeral tradicional com o enterro do corpo prevaleça nos países fortemente religiosos (82% na Irlanda e 77% na Itália).
As preocupações ambientais já chegaram à indústria funerária. Até porque um estudo de 2015 concluiu que 60% dos americanos na faixa etária dos 40 anos estariam disponíveis para um enterro verde: sem embalsamação e com uma urna biodegradável. E apesar da sua popularidade crescente, a cremação implica gastos energéticos. Um crematório tradicional atira para a atmosfera 320 kg de carbono, por cada corpo incinerado, o que equivale a uma viagem de carro de cerca de 20 horas. A alternativa é a hidrólise alcalina, que implica dissolver o corpo numa solução alcalina e esmagar os ossos até os reduzir a pó, e produz um sétimo do carbono da cremação tradicional.
Estes e outros dados constam dum interessante artigo da Economist, Os Funerais do Futuro, que é um título particularmente apropriado, não só porque aborda as tendências do amanhã numa actividade de baixo risco económico e elevada rendibilidade, mas também porque o futuro de cada um de nós termina (de preferência o mais tarde possível…) com um funeral. O funeral do nosso futuro, que ocorrerá quando já formos passado.
O artigo oferece-nos outros vislumbres do futuro já disponíveis no presente. Há ofertas de cremação para animais de estimação, ou verdejantes locais onde estes animais e os seus donos podem coexistir na última morada. Uma startup inglesa, apropriadamente intitulada Ascension, oferece a possibilidade das cinzas serem lançadas nos limites do espaço astral, após uma subida de 30 km a bordo de um balão. Já a SecuriGene, uma empresa canadiana, por 500 dólares utiliza uma amostra de sangue do falecido para produzir uma pequena cápsula com uma amostra de ADN.
Claro que na era da vida publicitada nas redes sociais, a morte não poderia escapar ao livestreaming. Cada vez mais funerais são transmitidos em directo na Internet, permitindo a presença virtual de familiares e amigos. Também os vídeos dos funerais e os tributos são cada vez mais populares, explica a Economist. Se o objectivo de Mark Zuckerberg é tornar o mundo mais “aberto e conectado”, se a sua “prioridade tem sido sempre a missão social de conectar as pessoas”, então esta evolução nas práticas funerárias parece indicar que a vida social online não termina com a morte. Até que a morte nos separe? Nunca nas redes sociais. Quem (não) quer viver para sempre?
Imagem: "O Funeral" de Jack Butler Yeats (courtesy of Bert Christensen)