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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

EM BUSCA DO ANO PERFEITO

Dezembro 27, 2017

J.J. Faria Santos

 

Na véspera do Ano Novo supõe-se que a esperança esteja no seu apogeu. Celebra-se mais uma oportunidade, mais um recomeço, e inúmeros sonhos confluem para agitar o coração à laia de provocação e desafio. É basicamente disto que nos falam quatro versos do tema A Perfect Year (“It's New Year's Eve and hopes are high / Dance one year in, kiss one goodbye / Another chance, another start /So many dreams to tease the heart”). 

 

A canção faz parte do musical Sunset Boulevard, que tem libreto de Don Black e Christopher Hampton e música de Andrew Lloyd Webber, e foi baseado no filme homónimo de 1950 de Billy Wilder. A película de Wilder centra-se na figura de Norma Desmond, uma decadente vedeta do cinema mudo que leva uma existência artificiosa na expectativa de um regresso triunfal. Há um curioso paralelo que é possível estabelecer com a cantora inglesa Dina Carroll – também ela experimentou um sucesso significativo nos anos 90 (recebeu inclusivamente um Brit Award), para acabar enredada em disputas contratuais e problemas de saúde que acabaram por sabotar o reerguer da sua carreira. Os seus dotes vocais e sensibilidade artística estão, porém, bem patentes na sua versão de A Perfect Year.

 

Norma Desmond julgava a sua grandeza intacta, imune ao passar do tempo e ao progresso, esses devoradores de estatutos. Por isso, comparava a sua grandiosidade à pequenez das novas fitas, e proclamava imperturbável que nos anos dourados as vedetas não precisavam de diálogos porque tinham rostos (tão expressivos que dispensavam as palavras, supõe-se). Se pensam que o retrato da decadência entre a esperança patética e o puro delírio de Norma Desmond é um ponto de partida demasiado sombrio para evocar desejos para 2018, pensem duas vezes. Há sempre um módico de inconsciência e delírio na esperança que desperta em nós um qualquer recomeço. O filósofo Luciano Floridi declarou ao Público que “algumas das maiores conquistas da humanidade ocorreram porque sempre tivemos esperança em algo mais e nunca nos contentamos com o que existia”. Já Oscar Wilde postulava: “O homem pode acreditar no impossível, mas não pode acreditar no improvável”.

 

Sejamos pois sujeitos da esperança, embarquemos na ambição do ano perfeito (mesmo que no fundo de nós permaneçam os resquícios do cepticismo) e que à entrada de 2018 cada um de nós proclame, como versões de Norma Desmond de todas as idades e de todos os sexos: “Estou pronto para o meu grande plano”.

FRAGMENTOS DO NATAL

Dezembro 19, 2017

J.J. Faria Santos

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Numa das suas crónicas do século passado, António Lobo Antunes rememora os Natais passados com o avô oficial de Cavalaria. Quando o avô morreu, “a família dispersou-se e os Natais acabaram”. O escritor associa a quadra a uma infância feliz no seio de uma família alargada. Num curto e impressivo relato, descreve um cenário que inclui “velhinhas que cheiravam a remédios”, “tias poeirentas do Brasil” e a criadagem alinhada para receber os presentes, entregues pela avó “numa pompa de condecorações do 10 de Junho”. Lobo Antunes apresenta um “avô de boquilha [que] presidia à confusão com um sorriso”. E em que poderia consistir a “confusão”? “Bolas que partiam vidros e terrinas”, “automóveis de corda que se alguém punha um pé em cima dava um mortal para trás” e ruidosos “revólveres de fulminantes” que “perturbavam a canasta”. Mas não perturbavam o avô, símbolo máximo de amor, benevolência e protecção.

 

“A crowded room / Friends with tired eyes”, cantam os Wham na omnipresente Last Christmas. Há um momento, há sempre um momento nas noites de Natal, por mais breve que seja, em que a melancolia se revela e mesmo numa sala repleta se instala o olhar cansado. Pode ser o efeito da maratona de iguarias ou da generosa ingestão de bebidas espirituosas. Ou um embevecimento entorpecido pelo calor das chamas da lareira ou do aquecimento central num ambiente de algazarra infantil e não só. Pode ser um simples cansaço físico generosamente acolhido pelo sofá. Ou a nostalgia despertada pelos ausentes. Mas também pode ser um momento em que se antecipa o fim de festa, como se o culminar de uma gloriosa cavalgada de preparação dessa festa e da escolha dos presentes, como se um tremendo investimento emocional, de repente desse origem a uma sensação de insuficiência, de frustração de expectativas. Perdemos demasiado tempo numa encenação fervorosa do júbilo quando ele se revela em todo o seu esplendor nos pequenos gesto de afecto que na maior parte das vezes dispensam até a palavra como laçarote.

 

Nem todos os homens à beira do abismo têm a sorte de serem sustidos pela intervenção de um anjo, como sucede com George Bailey (interpretado por James Stewart) em Do Céu Caiu Uma Estrela. O anjo Clarence mostra-lhe que a vida de um homem toca a vida de muitas pessoas e que o seu desaparecimento deixa um tremendo vazio. Seguramente um vazio maior que aquele que em momentos de desespero assola a consciência de um homem derrotado. Se não tivermos a resistência para afastar os pensamentos negros em momentos de derrocada emocional, ao menos que tenhamos a sorte de ter um anjo terreno para nos dar a mão. O Natal é também, ou é sobretudo, isto.

 

Crónica de Natal in Livro de Crónicas de António Lobo Antunes, Publicações Dom Quixote

Last Christmas composta por George Michael

Do Céu Caiu Uma Estrela (It's a Wonderful life) é um filme de 1946 realizado por Frank Capra

FRENESIM, FRENESIM! E RESMAS DE AFECTOS!

Dezembro 12, 2017

J.J. Faria Santos

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Marcelo avisa. Marcelo alerta. Marcelo teme. E que teme Marcelo desta vez? Bom, parece que com o novo cargo de Mário Centeno, o Presidente receia que ele não consiga controlar o eleitoralismo da margem esquerda que apoia o Governo. Ou seja, acha que falta frenesim a Centeno para jogar em dois tabuleiros. Mas nos intervalos de proclamações ao estilo soundbite (“somos os nórdicos do século XXI”), o frenético PR vai-se entretendo a lançar nomes para a futura liderança do PSD (os presentes contendores não o entusiasmam…). Montenegro já não é o eleito. O novo golden boy é Carlos Moedas, porque, diz o Expresso, “encaixa na política mais cosmopolita e dos afectos”.

 

E por falar em Luís Montenegro. Não é que o ex-líder parlamentar afirmou que a eleição de Centeno para presidir ao Eurogrupo se deveu “também ao que Passos Coelho, Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque fizeram no quadriénio 2011-2015”? Citando Miguel Sousa Tavares, que ridicularizou este argumento, “há uma diferença entre perder mal ou perder transformando derrotas em vitórias de anedota”.

 

E por falar em Passos. O ex-primeiro-ministro vai escrever um livro sobre os anos do Governo. Uma coisa “muito factual” (nada de contaminar os relatórios técnicos com uma visão política mais permeável aos afectos. Excel Forever!). Esperemos que não constem na obra os célebres “factos alternativos” ao estilo da famigerada Kellyanne Conway… O que seguramente não teremos é…frenesim. Nem sequer na concepção da obra. O projecto não é para já. Para os mais ansiosos, resta esperar que as ideias para o tomo amadureçam em cascos de carvalho para evoluírem mais rapidamente.

 

O Politico diz que António Costa é a nona figura mais influente da Europa e vê-o como “um político duro atrás de um pronto sorriso de campanha”. Esperemos que esta dureza seja sinónimo de resistência, doutra forma seria difícil ultrapassar a sequência de faux pas que se sucederam à tragédia de Pedrógão Grande. Parece que este exemplar nórdico do século XXI, irritantemente optimista, consegue ser popular também na Europa, e sem grande frenesim. É que para Costa a popularidade de um político talvez seja como as reformas a aplicar num dado país: não existem na variedade “pronto-a-vestir” e devem ser feitas por medida, adequadas ao corpo da nação.

 

Imagem: www.flash.pt

ALGUÉM QUE TEVE CORAÇÃO

Dezembro 05, 2017

J.J. Faria Santos

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“Quando não quero, salto. O que está do outro lado? Não sei”, fala, como quem explica que a coragem pode ser ao mesmo tempo fruto da revolta e parceira da incerteza. Simone de Oliveira que, entrevistada para a revista do Expresso, diz que as “coisas foram acontecendo porque tinham de acontecer”, apesar de tudo soube dizer não ao destino e redesenhar o mapa da sua vida. Talvez por sempre ter prezado a independência e a liberdade, que lhe permitiram, por outro lado, dizer presente sempre que o amor a quis ou a paixão a incendiou. A mesma liberdade (“sou muito cabra quando quero”) que lhe possibilitou reagir a uma traição amorosa atirando ao prevaricador: “vais para a mesma cama de onde saíste”, permite-lhe agora confessar, desassombradamente, ter sido infiel. Seguramente, não terá sido infiel a ela mesma.

 

Não tem medo de ser franca (talvez tenha de ser fraca). Revela-se uma outsider que não é de frequentar “grupinhos” ou “capelas” nem de participar em jantares. Afirma gerir com dificuldade a solidão mas dispensa a “canseira” de viver acompanhada. E nunca fica deprimida mais de três dias. Dá-se melhor com os homens. Não alinha em solidariedades femininas acéfalas e, como sempre, não tem medo das palavras: “As mulheres são chatas, são burras”, porque reagem mal ao passar do tempo e equilibram deficientemente a sua dupla condição de mulher e mãe. Mas sente-se orgulhosa por ter desbravado caminhos para a mudança de comportamentos. E o futuro? Declara que tem “obrigação de ser uma mulher feliz”. E que não “lhe apetece nada” partir. Dir-se-ia que no poema da vida dela continua a existir “a esperança acesa atrás do muro” e “um verso em branco à espera do futuro”.

 

(“Alguém Que Teve Coração” é o título da versão portuguesa interpretada por Simone do clássico de Burt Bacharach e Hal David “Anyone Who Had A Heart”)

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