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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

OS INIMPUTÁVEIS (BALADA DA MULHER ADÚLTERA)

Outubro 31, 2017

J.J. Faria Santos

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“Tenho uma lista de pessoas a quem vou limpar o sebo, em primeiro lugar a ti. És uma mulher morta”, escrevera-lhe o ex-marido traído, “vexado e humilhado”. Por isso, quando o ex-amante abandonado da “mulher adúltera” lhe ligou e o chamou para o recontro final, (enfurecido por aquela se recusar a reatar a relação - digamos que a circunstância de a sequestrar num automóvel e de a manter coagida, não era por si só auspicioso para uma reconciliação), logo tratou de seleccionar do seu variado arsenal bélico (que incluía uma espingarda, um revólver, uma pistola ou um bastão extensível metálico) uma lustrosa moca com pioneses metálicos. O “desonrado” marido chegou ao ponto de encontro berrando: “minha puta, eu mato-te, minha puta, eu mato-te”.

 

Estavam reunidas as condições para que esta espécie de irmandade dos homens vexados, este insólito bromance em nome da vingança e do despeito, descambasse num espectáculo de violência. Enquanto o ex-amante a agarrava (o homem que há escassos minutos pretendia reatar uma relação expunha o objecto do seu afecto à fúria da vítima do adultério que ele ajudara a consumar), o ex-marido acertou-lhe vigorosamente com a moca no lado esquerdo da cabeça e em várias zonas do corpo. O corpo do delito. Tal deve ter sido a fúria do ex-marido traído que o fervilhar do ódio o desequilibrou e fez cair, possibilitando a fuga da mulher “falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral” (na falta de mais e melhores adjectivos…). Talvez não seja completamente inusitada esta coligação de homens abandonados, esta solidariedade masculina na hora do infortúnio em que os inimigos de ontem são os vingadores de hoje, da mesma forma que se compreende que as “mulheres honestas” são “as primeiras a estigmatizar as adúlteras”.  As pessoas de irrepreensíveis princípios morais às vezes não podem olhar a meios para atingir os meritórios fins.

 

Felizmente para o homem traído, como o “adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e à dignidade da mulher”, só resta ao “douto” juiz exercitar a sua compreensão face ao “desonrado” e atenuar a pena. Felizmente para o amante abandonado, também ele usufrui por osmose da abundância de compreensão. A galdéria traiu o marido mas não se saciou muito tempo com o amante. Felizmente para a “mulher adúltera” não vive numa “sociedade” em que a pena para as facadas no matrimónio é a lapidação.

A palavra lapidar além de designar a acção de matar à pedrada, pode assumir o sentido de polir ou talhar, e em sentido figurativo pode ser empregada na acepção de educar ou aperfeiçoar. Daí o adjectivo lapidar ser utilizado para qualificar algo perfeito ou conciso. Não é o que se pode afirmar do acórdão do juiz Joaquim Neto de Moura. Só podemos lamentar esta justiça dos homens com h pequeno? Ou podemos tentar abalar o corporativismo com a força da nossa indignação?

 

Diz-se de um juiz que é irresponsável e inimputável pelas decisões que toma em juízo. Eis uma frase que parece uma nascente de múltiplas leituras, susceptível de ironias e cansaços. Eis uma frase que pode aterrorizar. No entretanto, quase consigo imaginar o “douto” juiz a acompanhar com um sorriso discreto uma recriação de um tema popular da música portuguesa: “Mulher adúltera, / Ai a mim não me convém. / Eu não quero andar na rua / com os cornos de ninguém. / Ai, ai, ai, ai / Mas eu gosto dessa mulher, / Quero tê-la ao pé de mim, / Beijá-la quando quiser.”

 

(Imagem: "Cristo e a Mulher Adúltera" de Lucas Cranach, O Velho - Wikimedia Commons)

QUE FAREI QUANDO TUDO ARDE?

Outubro 24, 2017

J.J. Faria Santos

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O discurso do Presidente da República na passada terça-feira foi celebrado por todos os observadores, e justamente, como adequado no tom, no estilo e no conteúdo. Compassivo com as vítimas, brutal com os responsáveis políticos. Marcelo assinalou, e muito bem, que fazer reformas “a pensar no médio ou longo prazo não significa convivermos com estas tragédias”. Seria pois lícito deduzir que a forte censura ao Governo implícita no seu discurso se deveria a uma qualquer inércia governamental nesta área. Sucede, porém, que um artigo de Ângela Silva no Expresso trata de nos esclarecer que o Presidente discordava fortemente do primeiro-ministro em duas questões: a demissão da ministra da Administração Interna e a rapidez no pagamento de indemnizações às vítimas. A

tragédia do dia 15 terá servido de pretexto, “de gota de água para o murro na mesa”. Ter-se-á tratado, então, de uma manobra de reforço de poder com uma goleada no campeonato do afecto e da sensibilidade. Nada de ilegítimo, nem que permita duvidar da sinceridade da sua empatia e compassividade. Mas talvez seja demasiado precoce augurar que a profusão de imagens iconográficas, a sua vocação para Presidente-Pietà, o possa projectar para a estratosfera do desempenho do cargo presidencial.

 

“Todos sentimos a sua angústia, a sua aflição, o sentimento de desamparo com que viveram as últimas horas”, declarou António Costa, referindo-se às vítimas dos incêndios e às populações em geral. Todos? Bom, correligionários e adversários uniram-se na classificação de um discurso baço, burocrático e a roçar a insensibilidade. Descontada a surpreendente inabilidade política do primeiro-ministro, talvez seja um diagnóstico manifestamente exagerado. Se pensarmos que a sensibilidade à flor da pele de Constança Urbano de Sousa era frequentemente interpretada como fragilidade psicológica, insegurança e incapacidade de comando, é aconselhável uma perspectiva menos severa de quem tem de dosear a capacidade de liderança com o peso na consciência do falhanço das funções básicas do Estado, da desprotecção civil generalizada. É que quando o termo de comparação é o Presidente dos afectos, todos os outros protagonistas se afundam na frieza. E toda a frieza será castigada.

 

A propósito, o Expresso recorda que o comentador Marcelo Rebelo de Sousa, numa acção de campanha do PSD, na Maia, em Maio de 2015, traçou um breve mas incisivo retrato psicológico do actual primeiro-ministro: “António Costa parece que é, mas não é um homem de afectos. O António Costa engana, é um racional, um frio, ele não é empático.”

Na mesma edição, o jornal entrevista Carlos Blanco de Morais, professor catedrático que foi aluno e assistente do actual Presidente da República e que o conhece há décadas. Curiosamente, este também alinha algumas considerações acerca do temperamento do Presidente. E que diz ele? Que a psicologia de Marcelo é “muito fluida e por vezes volúvel”. E acrescenta: “Se há alguém que faz cálculos políticos e não actua emotivamente é o PR. A gestão de afectos faz parte da sua estratégia presidencial, mas a idiossincrasia do Presidente é fria e de jogador.”

 

Regressou o tremendismo à análise política. É como se o Diabo político tivesse mesmo chegado com as chamas de um inferno bem terreno. Que se quebrou o vínculo entre o Governo e os governados, que a cooperação institucional entre Marcelo e Costa jamais será a mesma. Como se o Presidente rejubilasse com um Governo assente num compromisso de centro-esquerda. Marcelo, apesar de uma (até agora) irrepreensível postura institucional, provém de um espectro político oposto. Os seus afectos habitam noutras paragens. As suas motivações não se limitam ao sempre flexível conceito de interesse nacional.

Quanto à forma como os portugueses avaliam o Governo, é cedo para avaliar a extensão dos danos. Que vai depender da capacidade de reacção e do retomar da iniciativa política. A conjuntura política é como o amor no poema de Sá de Miranda que inspirou o título deste post: “Não espera razões, tudo é despeito, / tudo soberba e força; faz, desfaz, / sem respeito nenhum; e quando em paz / cuidais que sois, então tudo é desfeito.” Na política como no amor, o que é desfeito pode ser refeito.

ECONOMITOS (INVERDADES CONVENIENTES)

Outubro 17, 2017

J.J. Faria Santos

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“Quanto mais precários são os empregos, menos produtiva é a economia”, declara Marianne Thyssen, comissária europeia para o Emprego e Assuntos Sociais. “Todas essa formas de trabalho inseguras são extremamente caras – tanto para os afectados como para a sociedade como um todo”, considera o ex-economista-chefe do FMI Olivier Blanchard, que prossegue: “Havia essa visão de que com sindicatos mais fracos e mais flexibilidade salarial a saída da crise seria mais rápida e isso foi exposto como um credo religioso.” Blanchard acrescenta ainda que “essa era uma maneira de os ministros das Finanças e os bancos centrais atirarem o fardo para os outros”.

Estas afirmações constam de um excelente artigo editado no Público de 9 de Outubro, assinado por Paulo Pena e Harald Schumman, e elaborado no âmbito do projecto Investigative Europe. Nele se explica que instituições como o BCE, o FMI e a Comissão Europeia que defendiam as famigeradas reformas estruturais da legislação laboral “estão agora preocupadas com o efeito da precarização”, e citam relatórios do próprio FMI e da OCDE que não encontram “efeitos estatisticamente significativos sobre a produtividade” da regulamentação do mercado de trabalho, no primeiro caso, ou que vislumbram “um impacto positivo limitado” ou mesmo nulo da desregulação, no segundo caso.

Como sabemos, Passos Coelho atribuía grandes méritos às autoproclamadas “reformas estruturais” que teria promovido, entre elas a da legislação laboral. O seu alcance e relevo permitiam que o ex-primeiro-ministro lhe atribuísse uma quota-parte significativa no crescimento actual do PIB. Opinião não partilhada por Bagão Félix, que ouvido pelos autores do artigo afirma taxativamente que “a relação entre a desregulação dos mercados de trabalho e o crescimento económico é um erro”.

 

Um dos outros dogmas económicos frequentemente invocados ao serviço de convicções ideológicas insensíveis a desmentidos empíricos (mesmo quando se apregoa a evidência da realidade) é o efeito no emprego dos aumentos no salário mínimo. De facto, para um mesmo universo de estudo podem existir conclusões contraditórias. Numa das versões pode concluir-se pelo aumento líquido do emprego jovem, noutra pode enfatizar-se a destruição de emprego, nomeadamente de trabalhadores menos qualificados. Mesmo especialistas na matéria como o actual ministro das Finanças, que desaconselham aumentos desligados da produtividade, reconhecem que o efeito do aumento do salário mínimo sobre o emprego é pequeno. Claramente negligenciável quando no outro prato da balança se põem a redução da desigualdade e a diminuição da pobreza.

 

A ideia de que um corte nos impostos não só tem um impacto significativo no crescimento como também se paga a si mesmo é o último delírio de Trump, apoiado pelo economista Arthur Laffer e a sua famosa curva. A verdade é que a redução de impostos não é o factor preponderante para o incremento do PIB, para o qual contribuem diversos factores, sendo que “as taxas de juros são historicamente o mais significativo”, conforme escreveu Kurt Eichenwald num artigo para a Newsweek.

Eichenwald recorda que a história da curva de Laffer remonta a Dezembro de 1974 num restaurante em Washington. À mesa estavam quatro apoiantes do Partido Republicano: além do economista, o editor do Wall Street Journal Jude Wanniski, Donald Rumsfeld e Dick Cheney. Socorrendo-se de um guardanapo de papel, Laffer explicou que uma taxa de 0% não se traduziria em qualquer receita fiscal, mas que uma taxa de 100% também não porque ninguém teria incentivo para trabalhar. Por conseguinte, algures ao longo da curva existiria o valor adequado da taxa a cobrar que permitiria maximizar a receita. O grande problema, destaca Eichenwald, é que mesmo que a “teoria seja correcta – e a experiência demonstra que não”, a curva de Laffer, além de não determinar esse número, demonstra à saciedade que existe um ponto em que os défices explodem, tornando “irresponsáveis” os cortes fiscais.

O jornalista cita estudos de economistas independentes que colocam a taxa ideal do ponto de vista da arrecadação de receita nos 68%, 70% e 35%, claramente acima das taxas de tributação da generalidade dos países ocidentais (um relatório da OCDE divulgado no mês passado, indicava que o imposto sobre os lucros das empresas que em 2000 era, em média, de 32,2% baixara para 24,7% em 2016). Eichenwald, que considera que “os pressupostos da curva de Laffer não existem no mundo real”, conclui afirmando que só existem duas razões para os cortes nos impostos: a primeira é a circunstância da taxa ser tão elevada que inequivocamente condiciona negativamente o crescimento económico; a segunda é mais prosaica: os ricos querem-nos.

SEI DE UM RIO (THRILLER POLÍTICO)

Outubro 10, 2017

J.J. Faria Santos

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Foi de madrugada, porque o late night é tão apropriado à análise política na intimidade dos protagonistas, que Maria João Avillez procurou “apurar a devastação” do Pedro. Concentrou-se no seu “olhar esverdeado”, no “sorriso cortez”, na “vontade férrea”. O líder que sobrevivera a “massacres vários” e a “coelhos enforcados nalguns sítios por onde passava”, que salvara o país de “catástrofes várias”, decidira partir. É assim que, no Observador, ela descreve o seu tête-à-tête com Passos Coelho, algures entre a imaginação prodigiosa de um Frederick Forsyth e a riqueza estilística de uma Danielle Steel. Para o caso de suspeitarmos de algum ressabiamento, trata de nos explicar que não é uma “passista com ranço”(?). O seu depoimento arrebatado, ainda que mortificado, é o resultado de ter “sido testemunha (sentada na primeira fila de tudo) da passada política de Passos”. Trata-se, portanto, da visão privilegiada de quem tem acesso aos corredores do poder, de quem ao fazer o primeiro esboço da História já tem a clarividência e o distanciamento suficientes para enunciar a priori os seus  grandes protagonistas, de quem despojada de paixões isola os factos claros, límpidos e indiscutíveis. Mesmo quando assina artigos de opinião.

 

Avillez apontou António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa como “dois dos grandes obreiros (há outros) da teia onde desde há seis anos se tenta asfixiar politicamente o agora ex-líder do PSD e o próprio PSD”. Denunciou a “alegria” de Marcelo com o destino de Passos, mas advertiu que o PR detesta e teme Rio. Dois portugueses que ele não ama, conclui-se. Rangel desistiu, “por razões familiares” ou assustado com a previsível dureza da campanha. Montenegro optou por abraçar a missão preferida dos líderes e barões do PSD – o comentário político na televisão. Enquanto enxameiam canais de sinal aberto e por cabo, esmeram-se nas denúncias de uma alegada hegemonia da comunicação social esquerdista e na proclamação gongórica de asfixias democráticas. Resta Santana para reanimar a luta no PPD/PSD e enfrentar Rio com toda a bravura de menino-guerreiro. E quanto ao ex-autarca nortenho, que sabemos nós? Pedro Santos Guerreiro diz que ele “é um homem perigoso para quem o critica” e que “terá de mostrar se tem visão tamanha ou tacanha”. Quanto a mim, sei de um Rio que convive mal com o escrutínio dos média, que parece bater aos pontos Passos na obstinação e que ostenta uma “visão” (sejamos generosos…) demasiado tecnocrática da actividade política (recordo a tristemente célebre máxima “quando ouço falar de cultura puxo logo da calculadora”).

 

Curiosamente, uma outra colunista do Observador, Maria de Fátima Bonifácio, depositava em tempos grande confiança em Rui Rio, mais exactamente num pacto de bloco central firmado entre ele e António Costa. Numa entrevista ao Jornal de Negócios em 2013 declarou: “Não tenho nenhuma dúvida de que um pacto entre Rio e Costa seria muitíssimo melhor para o país do que um pacto entre Seguro e Passos.” Claro que nessa altura não definia Costa como alguém que “não respeita ou honra a sua própria assinatura”, como hoje o qualifica. Mas, por outro lado, também Passos, alguém que diz hoje prezar e admirar, era objecto de uma análise pouco lisonjeira: “O Passos é muito impreparado, viu-se pela quantidade de erros calamitosos que já fez, pela maneira como gere o país e pela atitude.” Mudou de opinião, o que é certamente legítimo, mas não terá sido por causa do “olhar esverdeado”. Deve ter-lhe agradado o zelo governamental  na aplicação da cartilha ideológica. Palpita-me que terá mudado de opinião em relação a Rio. Deve tender a vê-lo agora como alguém que, para a citar, “atrapalha, impede ou sabota as reformas que pudessem talvez abreviar a chegada de Portugal à História”. Todos sabemos que certa direita se acha no lado certo da História. Só me surpreende a modéstia do talvez.

UM HOMEM CULTO NUNCA LAMENTA UM PRAZER

Outubro 03, 2017

J.J. Faria Santos

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Há um bar em Nova Iorque, leio na edição digital da New Yorker (numa peça com direito a ilustração de Jorge Colombo), que tomou o nome de Oscar Wilde, e cujo website apresenta como mote : “a public place for private affairs”, qualquer coisa como “um lugar público para assuntos privados”, embora a palavra affairs permita várias interpretações. Os clientes são recebidos à entrada por uma estátua representando o escritor sentado e no seu interior, cuja decoração terá orçado os 4 milhões de dólares, pululam citações do autor em objectos de mármore.

 

Um bar pode ser, entre outras coisas, um lugar de prazeres e vícios. Parece apropriado que exista um bar com o nome do escritor irlandês. Afinal, trata-se do homem que escreveu que “um homem culto nunca lamenta um prazer”, que “o vício é uma afirmação do intelecto”, que “um dos grandes prazeres encontrados na má conduta é o de haver tantas coisas para dizer aos bem comportados”, e ainda que “a perversidade é um mito inventado pelas pessoas de bem para explicarem o estranho atractivo dos outros”.

 

 

Fernando Pessoa frequentava um estabelecimento de bebidas incomensuravelmente menos glamoroso, denominado Abel Pereira da Fonseca, onde se deixou retratar em 1929, escrevendo na dedicatória da fotografia que enviou a Ofélia “Fernando Pessoa em flagrante delitro”. Pessoa, cujas crises hepáticas ou pancreáticas se tornaram mais frequentes no final da vida motivadas pelo consumo excessivo de álcool, escreveria em 19 de Novembro de 1935 um último poema em português que terminava com um lapidar “Dá-me mais vinho, porque a vida é nada”.

 

O poeta português foi recentemente objecto de um artigo de Adam Kirsch na mesma New Yorker, Fernando Pessoa’s Disappearing Act, onde o Livro do Desassossego era qualificado como “a misteriosa obra de arte do grande modernista de Portugal”. Kirsch, que sublinha o significado em português da palavra pessoa, vê-o, na prosa como na poesia, como um “escritor em fuga do seu próprio nome”, e considera o uso dos heterónimos como um dos elementos que o inscrevem no movimento modernista, acabando por englobá-lo numa geração de poetas que “acreditava no que Oscar Wilde apelidou de ‘verdade das máscaras’”.

 

O próprio Pessoa, enquanto Bernardo Soares, escreve no Livro do Desassossego que “ a maioria dos homens vive com espontaneidade uma vida fictícia e alheia. A maioria da gente é outra gente, disse Oscar Wilde, e disse bem.” Na mesma obra, explica que “todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.” Mas a sua grande dependência não passava pelas libações do Abel Pereira da Fonseca. “Escrever é como a droga que repugno e tomo, o vício que desprezo em que vivo”. Porque “há venenos necessários, e há-os subtilíssimos, compostos de ingredientes da alma (…)”

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