ESTÁS LIVRE ESTA NOITE?
Agosto 29, 2017
J.J. Faria Santos
É um clube de sexo para a elite financeira. Anónimo. Quando o jovem (Ewan McGregor) pergunta à mulher madura, elegante e sofisticada (a sempre soberba Charlotte Rampling) a razão porque recorre a este expediente, a resposta é ditada pela força da evidência com um subtexto algo feminista: “Pela mesma razão que os homens o fazem – a economia do arranjo. É intimidade sem complexidade.” O filme é de 2008, intitula-se No Limite da Ilusão (Deception no original), foi realizado por Marcel Langenegger e conta no elenco com Hugh Jackman e Michelle Williams.
Não se trata de prostituição, não há comércio para além do dos sentidos. É uma questão de logística. O acordo entre os membros da Lista permite a economia de recursos (entre eles, o tempo) e a maximização do lucro (o prazer), preferencialmente no contexto sofisticado dos hotéis de luxo. Porque aqui não há lugar para os que só encontram o fervilhar do erotismo nos ambientes sórdidos e degradantes de um qualquer bas-fond. “Estás livre esta noite?” é a frase que desencadeia cada encontro, no que é efectivamente um exercício de liberdade desprovido de quaisquer considerandos moralistas. Mas embora as regras do jogo estejam claramente definidas, como sempre nas relações interpessoais há o risco do desequilíbrio na percepção do caminho a trilhar. Pode o compromisso nascer do jogo do desapego, do distanciamento emocional?
O filme dá uma resposta apaziguadora aos que vêem neste esquema uma sucessão de encontros que acalmam o corpo e inquietam a alma. Como se o corpo-a-corpo sucessivo tivesse como destino o vazio e a liberdade já não fosse mais que uma imparidade a antecipar um prejuízo irremediável. Após uma série de peripécias enganadoras, Ewan McGregor e Michelle Williams acabam juntos.
Seria ousado ver nestas relações ocasionais de geometria variável uma solução de perenidade, satisfatória e absolutamente gratificante, mas seria ilusório achar que nas relações mais duradouras e monogâmicas (como o casamento) não haja desequilíbrios no grau de investimento na relação de cada um dos parceiros. O sentimento de frustração e incompletude também poderá morar por aqui. Iris Murdoch, no seu romance O Mar, O Mar, coloca na boca de Peregrine, figura versada em tumultos matrimoniais, a afirmação de que todos os “casamentos duradouros são baseados no medo” e que nele as pessoas se acomodam a posições de dominação e submissão”.
Como bem sabemos, o casamento (tal como as uniões de facto) também pode ser um acordo de conveniência ou um arranjo que contemple o apoio mútuo, uma espécie de lenitivo para a solidão e o desamparo. Seremos capazes de avaliar a distância entre a “economia do arranjo” de Rampling e o arranjo que garante a segurança económica de algumas uniões de conveniência? Uma opinião informada implicaria um conhecimento aprofundado da verdade (essa furtiva representação fiel) de cada relação. Talvez seja avisado recorrer de novo a Iris Murdoch, citando agora da mesma obra uma frase de Charles Arrowby, o protagonista, “Podemos ser demasiado inventivos na procura da verdade. Por vezes, devemos simplesmente respeitar a sua face velada.”
Imagem: Charlotte Rampling fotografada por Helmut Newton em 1969
(Courtesy of Bert Christensen)