O FORRO DO SILÊNCIO. DENTRO.
Novembro 29, 2016
J.J. Faria Santos
Uma geração com a morte à espreita e a vida em stand-by. Um teatro de guerra distante que inspira sentimentos díspares de perda e culpa, de posse e de usurpação. Um médico incorporado no exército, testemunha de violência e sofrimento, confrontado com as insuficiências do matrimónio à distância. Restam as cartas, num vaivém sem data marcada, onde cada atraso é uma monumental afronta, logo esquecida com o amor reafirmado num papel relido com a solenidade das orações. E, no entretanto, António anda “forrado de silêncio por dentro”. Porque, confessa ele, “isto gasta por dentro como um cancro”. Cartas da Guerra, de Ivo M. Ferreira, já editado em DVD, com uma belíssima fotografia a preto e branco que lhe dá um travo clássico, é, justamente, um clássico instantâneo do cinema português.
O actor Miguel Nunes é o imediato ponto comum entre Cartas da Guerra e Dentro, a mais interessante das séries com que a RTP pretende diversificar a sua produção de ficção. A acção situa-se numa prisão de mulheres e o cerne da trama é a atracção de um jovem psicólogo estagiário (Miguel Nunes) por uma reclusa (Vera Kolodzig). Criada por Lara Morgado, Dentro não se limita a explorar a tensão sexual entre os protagonistas, alinhando um conjunto de personagens secundários com espessura, retratando o desespero e a solidão, o conflito e o apaziguamento, a imitação da normalidade e a comicidade dos desejos mais básicos. Entre os papéis secundários, destacam-se os de Manuela (Elsa Valentim interpretando com esmerada subtileza uma burlona) e de Elsa (Margarida Cardeal dando vida a uma típica fura-vidas sem cair na caricatura óbvia). Tal como em Cartas de Guerra, também em Dentro estamos nos domínios do insuportável, e cada pedaço do exterior que atravessa as paredes da prisão é absorvido sofregamente. Quer seja uma carta, um telefonema ou uma visita íntima.