HERESIAS E RADICALISMOS
Outubro 25, 2016
J.J. Faria Santos
A editora da Time (e comentadora da CNN) Rana Foroohar escreveu na revista um texto intitulado The financial world’s rotten culture is still a threat – to all of us (qualquer coisa como: A cultura perniciosa do sector financeiro é ainda uma ameaça – para todos nós). A jornalista, que tem persistentemente dissertado sobre as lacunas da regulação nesta área, que considera poderem propiciar uma nova crise mundial semelhante à de 2008, recorda, a propósito da ameaça de multa ao Deutsche Bank, como os bancos alemães foram encorajados pelo governo do seu país a conceder empréstimos a empresas e governos debilitados da Europa precisamente antes da eclosão da crise. Frisando que foram os contribuintes que acabaram por suportar o fardo do resgate das instituições bancárias, Foroohar escreve, preto no branco, que “a Europa geriu a crise da dívida tendo em conta os interesses dos bancos, em vez dos dos cidadãos”, afirmação que, aos ouvidos sensíveis do frentismo antigeringonça, a deve transformar na Mariana Mortágua da classe jornalística americana.
Incentivado pelo Presidente da República, com a missão de preparar uma “estratégia de crescimento”, Pedro Ferraz da Costa regressou às luzes da ribalta com todo o seu pedigree de capitalista da velha guarda, de um tempo em que se respeitava a ordem natural das coisas e, “para as pessoas mais à direita” era impensável que se metesse “a raposa dentro do galinheiro”, que é como ele denomina a experiência governamental em curso. Como quem lamenta já não poder ter a “experiência” de observar a fauna comunista e bloquista no seu suposto habitat natural, com um poder de influência mais simbólico que efectivo, afirmou em entrevista (Público/Rádio Renascença) que “o Governo não inspira confiança a uma parte da sociedade portuguesa e não inspira confiança nenhuma a uma grande parte dos potenciais investidores”. Ora, sucede que a agência de rating DBRS não parece assustada, nem ver razões para tanta inquietação. Não só assinala “os progressos de Portugal na redução do défice orçamental e as medidas proactivas que foram tomadas para fortalecer o sector bancário”, como garante que “o Governo minoritário de centro-esquerda continua a demonstrar um compromisso com o cumprimento das regras orçamentais da EU e não se espera que as reformas estruturais europeias sejam revertidas” (Público, edição de 22/10/2016).
A propósito das regras orçamentais, a perigosa radical de esquerda Manuela Ferreira Leite escreveu no Expresso do passado fim-de-semana que, apesar de para 2017 Portugal apresentar “um orçamento que satisfará Bruxelas”, com um cenário macroeconómico “cauteloso” e que “transmite à população a ideia de que dá pouco, mas que não tira”, este não é “o orçamento de que o país precisa”. E o que é que impede o orçamento ideal? O radicalismo das “esquerdas” que execram os ditames de Bruxelas? A cedência dos socialistas aos seus aliados em nome da sobrevivência no poder? Nenhuma destas hipóteses. Ferreira Leite afirma que o orçamento de que o país precisa “dificilmente surgirá enquanto vigorarem os constrangimentos do Tratado Orçamental”. Já deve ter faltado mais para Passos Coelho incluir a sua colega de partido no lote dos que apoiam “uma práxis governativa que é devedora de uma lógica antieuropeia”…